A existência humana

Certo dia, conversando com um amigo que faz curso de Filosofia na Unicamp, falávamos sobre a vida humana, tentávamos definir a existência humana.

Então ele disse que a existência humana consiste em estar abandonado à própria sorte neste planeta. E que muitos não conseguem agüentar esta realidade e criam subterfúgios, crenças para suavizar sua existência solitária.

O grande trabalho do filósofo é responder às questões: “de onde viemos?” e “para onde vamos?”. A humanidade vive no meio destas duas perguntas, não podendo respondê-las de modo convincente. De acordo com meu colega filósofo, a humanidade teria que agüentar esta existência e se conformar com isso, vivendo o presente.

Interessante que a nossa história individual é semelhante. Eu não me lembro quando nasci, não me lembro do que fiz antes dos seis anos. Quando eu era criança o mundo parecia tão simples, mas na verdade eu é que era simples. Então hoje em dia eu sei muito sobre mim, mas não posso afirmar sozinho como era o mundo ou como eu era quando era criança, pois não me lembro. Só tenho conhecimento disso através de testemunhas que me viram naquela época e podem me dizer a respeito. Na infância eu era inocente e não entendia muitas coisas que venho a entender hoje.

Com respeito à humanidade, ela reflete isso que acontece com cada indivíduo. Sobre o princípio há pouco registro histórico, não se tem consenso sobre o princípio da humanidade. Mas à medida que o homem foi inventando métodos de registrar os acontecimentos, então foi possível que os homens futuros soubessem o que seus antepassados fizeram e como eles eram. Assim também a humanidade foi progredindo em seu conhecimento coletivo, tornando-se cada vez mais “adulta”, entendendo certas coisas que seus antepassados não entenderam.

Voltando à afirmação do meu colega: “a existência humana consiste em estar abandonado à própria sorte neste planeta”. Quando ouvi isto, me lembrei da história de Adão e Eva. Afinal, se queremos definir a existência humana, temos que começar do princípio.

Quando meu colega disse que parecemos estar abandonados neste mundo, me lembrei da expulsão de Adão e Eva do paraíso. Esta história reflete exatamente este pensamento sobre a existência humana.

A humanidade sente que veio de algo superior a ela mas ao mesmo tempo sente falta desse algo, achando-se sozinha. Nesta estranha “saudade”, inventa muitas coisas como deuses e deusas, passando a cultuá-los, mas descobre depois a controlar as forças selvagens do mundo que antes cultuava. Descobre antes de tudo a controlar a si mesma, dando origem às leis, uma das primeiras criações do homem, ao lado da agricultura, e outras ciências.

Adão e Eva foram criados perfeitos e o mundo em que eles viviam também era perfeito e santo. Eles viviam num estado de Inocência. Não eram levados a fazer algo por inclinações sociais (a sociedade ainda não existia), nem por vícios, nem por desejos pecaminosos. Mas então aquela inocência foi perturbada por uma indagação. E se eles estavam sendo privados de algo melhor? E achando que tudo aquilo era bom? Quando na verdade poderiam por meio do fruto do conhecimento do bem e do mal tornarem-se como Deus? Esta informação enganosa levou-os a achar que estavam sendo enganados e rejeitaram tudo o que Deus tinha criado de bom para ver se encontrariam algo melhor naquilo que era proibido. Mas então encontraram a sua decadência.

Esta história reflete o que acontece com cada indivíduo. Quando somos infantes (crianças), nós amamos melhor e retribuímos melhor os sentimentos, embora já quando criança sejamos pecadores em potencial. Mas então algo fora de nós, sejam amigos, influências externas de qualquer tipo, televisão, etc, nos incita a “conhecer” ou experimentar algo diferente, algo que é pecado. Então a tal natureza pecaminosa na qual nascemos, herdada do pecado de Adão, também chamada carne, passa a incitar-nos a pecar.

Quando Adão e Eva viram que estavam nus, eles se esconderam. Mas por quê? Se antes eles andavam nus pelo jardim na presença do próprio Deus? Porque após comer do fruto do conhecimento do bem e do mal, passaram a ver que as coisas também têm um potencial para o mal. Antes só conheciam o potencial para o bem. Mas então ao olharem para si próprios, viram um potencial para o mal, e quando Deus apareceu, tiveram um medo de estar na presença dele e que ele também visse esse potencial para o mal que parecia transformar em monstro o que antes era belo.

Todo jovem tem que descobrir seu potencial para o bem. E o potencial para o mal seria bom que não fosse descoberto, mas já que isto é inevitável por causa da nossa natureza pecaminosa, então todo jovem que busca a Deus deve domar este potencial para o mal.

Ao pecarem, Adão e Eva já não podiam mais presenciar a santidade de Deus, a Suma Perfeição. Foram expulsos, e desde então a humanidade parece estar abandonada neste mundo, como meu amigo filósofo disse. Afinal, Deus disse ao homem: do teu suor comerás. Adão recebeu este castigo, mas Caim, que tinha a mesma profissão do pai, recebeu o castigo intensificado. Deus disse: “quando lavrares o solo, não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra”. Caim foi morar mais longe ainda do Éden do que Adão. O distanciamento de Deus foi progressivo até que Deus disse: “me arrependo de ter criado o homem na terra”.

Sobre Caim, aconteceu com ele que não domou o seu potencial para o mal. Deus lhe disse: “o teu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo”. Ele matou o irmão porque este era mais aceitável a Deus do que ele, e Caim não suportou isso. Talvez tenha achado que seu irmão tinha que sofrer como ele. Ele o matou e achou que ninguém ia ver, mas o sangue derramado na terra foi prova do assassinato. Então Caim, sentindo-se abandonado à própria sorte, recebeu um sinal de Deus para que ninguém o matasse, mas ainda assim achou que deveria se proteger por sua conta, construindo uma cidade, ou fortaleza, com muros. Assim como ele não respeitou a vida de seu irmão, temeu que outros não respeitassem o sinal de Deus. O mal de quem blefa no jogo é achar que o oponente também blefa.

Os descendentes de Caim desenvolveram sua tecnologia. Criaram instrumentos cortantes de bronze e de ferro, criaram instrumentos musicais, harpa e flauta, e criaram gado. Mas dentre eles, um Lameque talvez se julgasse o rei e se achava no direito de ter duas mulheres e de matar qualquer que lhe ofendesse (Gn 4:23-24). Isso com certeza porque ele pensava como Caim e achava que devia cuidar de sua segurança com seus próprios meios, eliminando os que fossem seus inimigos potenciais.

Contudo, ao expulsar o homem do paraíso, Deus lhes fez roupas (Gn 3:21). E ao dar à luz a Caim, Eva disse: “adquiri um varão com o auxílio do Senhor”. Eva sabia que eles tinham perdido muito da comunhão com Deus, mas sabia que Ele não os tinha abandonado de todo, pois Deus havia dito que o descendente da mulher pisaria a cabeça da serpente, mentora do pecado.

Lameque pôs em seu filho o nome de Noé (descanso) dizendo: “Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos nesta terra que o Senhor amaldiçoou”. O mundo está em pecado, maldito, mas há esperança, e a esperança se manifestava numa nova geração, no nascimento, num novo começo.

A humanidade, portanto, deve evoluir, mas para alcançar aquela perfeição que havia antes. Isto entretanto não se constata, pois a humanidade evoluiu muito tecnologicamente, mas continua com os mesmos pecados de outrora quando foram expulsos do paraíso. A humanidade foi expulsa e está debaixo da ira de Deus, resta-nos esperar então pela misericórdia do mesmo Deus que nos expulsou. Misericórdia encontrada no Filho de Deus que pisou a cabeça da serpente.

Enfim, o sol nasce para todos, e se põe também para todos. Uns sentem-se abandonados à própria sorte, mas outros vêem uma misteriosa cooperação de Deus com eles.