Sou Ana Del Pietra, tenho quinze anos, e sobrevivi ao terremoto que arrasou meu país.

Apagaram-se as luzes e a escuridão era tudo que se podia ver. O gosto de poeira entrava pelas minhas narinas e fazia arder meus olhos. Encolhi os ombros com medo, pois apesar de não estar vendo nada, ouvia gritos e barulho de paredes desabando. Um grito de terror misturado com dor ressoou perto de mim. Eu não tinha forças para me mexer, fiquei paralisada, embora não sentisse nenhuma dor, eu estava perplexa. Percebi que eu estava no meio dos escombros. Tudo tinha acabado. Cadê a Rose?

Naquela tarde tudo parecia normal. Eu percorri o caminho de sempre. Estranhei que minha prima Rose não tivesse aparecido na escola e resolvi visitá-la, afinal éramos apelidadas de “as gêmeas”, e não era pela aparência física.

Na verdade, fisicamente éramos bem diferentes. Eu, mais moderninha. Cabelos esticados, castanhos escuros, mas com uma mecha loira na frente, isso ressaltava mais a minha pele negra. Gostava de calça jeans, se bem que só tinha duas, e além disso, eu tinha ficado com bem mais meninos do que ela.

Rose não era assim. Parecia uma indiazinha, sempre de saia de tecido estampado, nem sempre combinando com a sandália ou com a blusa. A gente era pobre, mas nos divertíamos. Apesar disso ela tinha uma qualidade. Ela era sincera e lia a Bíblia todos os dias. Aliás, muitas vezes ela me convidou para ir à “Cabana”. Era assim que ela chamava o lugar rústico mal coberto e sem reboco, que ela e um monte de gente estranha se reunia para estudar a Bíblia, orar, e falar de Jesus. Se eu fui? Bom, eu detestava essas coisas, mas vamos pular essa parte.

Finalmente cheguei à casa dela, que ficava numa rua estreita de terra , onde as casas pareciam ter sido construídas umas em cima das outras, por isso apenas vielas e becos davam acesso ao lugar. Ela estava sozinha e parecia estar mexendo na cozinha. Já estava na hora do pai e os três irmãos mais novos chegarem da rua, onde eles vendiam frutas todos os dias para o ganha pão.

19:50 da noite avistei Rose pela porta de entrada. “Oi amiga”, gritei. Ela sorriu. E tudo desabou. Foi muito rápido, pensei que o mundo estivesse acabando, pois a Rose sempre me alertava que era preciso se preparar para a vinda de Jesus, e eu, sempre tive medo de não dar tempo de mudar de vida. Até aquele momento eu achava que isso era conversa de gente pouco esclarecida. Mas tudo mudou quando a terra tremeu. Ouvi gritos abafados do lado de fora: “Terremoto! Terremoto! As pessoas desesperadas clamavam a Deus.

Fui tateando a parece, para tentar chegar ao lugar onde eu tinha visto a Rose. Não dava nem pra ficar em pé, pois havia um peso enorme, só então entendi que a casa devia ter caído em cima de nós. Folguei o pé, ao sentir que tinha pisado em algo macio – era o braço de Rose. Percebi que ela devia ter desmaiado. E agora? Será que vamos morrer?

O corpo dela estava preso debaixo de um monturo de terra e pedra. Fiquei apavorada ao sentir cheio de gás de cozinha vazando. Eu não tinha forças, mas precisava tirar esse monte de coisas de cima da minha prima. Devo ter demorado horas para remover os escombros na escuridão. Um pedaço de pau que achei me ajudou a continuar agachada, empurrando a terra com ele.Rose gemeu. Graças a Deus. Ela estava viva.

— Você consegue andar?

Ela não me respondeu. Parecia estar atordoada e sua cabeça sangrava um pouco. Gritei por socorro. Ninguém me ouviu. Eu não sabia o que fazer. Chorei abraçada à Rose, e permaneci assim talvez por uns dez minutos que pareciam uma eternidade.

— Vou puxar você pra lá. Tem um barulho em cima de nós, isso vai cair a qualquer minuto. Ela balançou a cabeça concordando.

Acabei de puxá-la. Tudo ruiu e desabou exatamente no lugar em que ela tinha estado. Foi numa fração de segundos. Quando a laje acabou de cair, deu pra ver o céu, então percebi que tinha uma saída.

Arrastei a Rose até a saída. Aí vi a rua. Pessoas desoladas sentadas na rua choravam. Gente machucada por todos os lados. Carros de bombeiros. Escuridão total. Só a luz da lua e faróis de carro de socorro, aliviava as trevas. Engoli a saliva com dificuldade sentindo o gosto de terra.

— Estamos salvas Rose. Estamos salvas!!

Graças a Deus os homens ouviram nossos gritos e terminaram de nos puxar para um lugar seguro.

Foi nesse instante que Rose, já consciente me falou com voz fraca, mas firme.

— Prima, se eu morresse, eu já estava preparada, pois já tenho aceitado Jesus Cristo como meu Salvador. Você está preparada?

Eu não sabia bem o que eu estava sentindo, mas respondi com firmeza.

— Rose, eu não quero mais levar minha vida igual eu vinha levando. A gente quase morreu! A partir de hoje eu quero ser como você. Quero ter essa esperança.

— Então você está recebendo a Cristo agora? Perguntou Rose enquanto esboçava um sorriso.

— Com certeza, respondi.

Um alívio inexplicável invadiu meu coração, então eu completei:

— Você me ajuda?

— Claro, respondeu Rose.

Foi a última vez que falei com a Rose. Ela está ainda internada num hospital improvisado pelos soldados para socorrer as vítimas. Ouvi dizer que ela passa bem.

Quanto a mim, permaneço firme na minha fé em Cristo, apesar de reconhecer que ainda preciso aprender muita coisa. Eu não sofri ferimentos graves, então estou empenhada a tentar a ajudar outros irmãos haitianos, que perderam tudo. É muito bom ver que a esperança deles também está em Jesus. Quando a Rose ficar boa, ela vai me ajudar.

(Esta é uma obra de ficção, para nos dar motivos para orar pelo Haiti, e pelos possíveis irmãos em Cristo que sofrem lá.)