Diário de bordo: Marcos Soares em Angola

A emoção de pisar este chão novamente não pode ser descrita. É um privilégio poder voltar aqui. Algo que desejei durante todos estes 7 anos. Angola é uma nação irmã para os brasileiros. A igreja angolana é igreja irmã para a igreja brasileira. Dou graças a Deus por ter me permitido voltar.

A chegada já demonstra diferenças entre a Angola que conheci em 1997 e a atual. Sobrevoando a cidade de Luanda às 21h30 é possível ver as luzes da cidade, cena rara naquela época. Metade do voo é composto por brasileiros, na sua maioria funcionários da empreiteira Odebrechdt, que tem altos investimentos aqui em parceria com o governo local. Viajei ao lado de uma pessoa que trabalha para uma empresa de comunicação. Estava aqui para participar de uma feira de negócios, o que indica que alguns investimentos começam a aparecer. São alguns dos benefícios da paz.

Na saída do aeroporto, mais mudanças. Viadutos recém-construídos dão à capital uma cara mais moderna. Mas o dia seguinte reservará mais surpresas, boas e ruins. O trânsito está simplesmente insuportável. O volume de carros nas ruas indica uma relativa prosperidade, mas a malha viária simplesmente não foi projetada para isso. Em 97, viajávamos todos os dias os 30km que separam o centro de Luanda até Viana em cerca de meia hora. Hoje levamos 1 hora e meia! Mas há coisas boas também. Por exemplo, há caminhões coletando o lixo por toda a cidade, o que evidentemente a torna muito mais limpa do que era. Ainda há bastante a se fazer nesta área, mas a diferença já se nota muito bem.

Terça-feira, dia 29 de junho, viajei até Saurimo, no norte do país. É a capital de uma província importante no sentido da exploração diamantífera. Aqui, a vida é bem diferente da capital. Parece uma pequena cidade do interior de São Paulo, mas há muitos anos atrás. A vida parece ser mais tranqüila, mas ainda se fazem sentir os efeitos da guerra e da falta de infra-estrutura. Não há ainda fornecimento muito estável de energia elétrica. Pela primeira vez em dois meses, houve dois dias (este já é o terceiro) com fornecimento público de energia em alguns pontos da cidade. A maioria das casas tem geradores particulares, algumas vezes compartilhados com vizinhos. Então, de uma certa hora em diante, o barulho desses motores se torna muito grande. Na parte de comunicações, é ainda tudo muito precário. Ligar para cá é uma tarefa que demanda muito paciência. Internet, nem pensar em Speedy. Somente com conexão via satélite, a um custo de muuuitos dólares por minuto. A outra opção, que é a usada onde estou hospedado, é conexão via Luanda. Mas isto depende da boa vontade da companhia telefonica. Neste momento, por exemplo, estou tentando conexão há meia hora e só dá linha ocupada. Às vezes demoro 20 minutos para acessar o Terra Mail e conseguir ler minha caixa postal. Aí, quando consigo entrar, estou no meio da resposta, cai a linha e perco tudo. Imagine para aqueles que moram aqui. Haja paciência! Missionário que trabalha em Angola vai receber recompensa dobrada.

Semana passada, dia 30 de junho, começou a Escola Bíblica. Desde então, nos dias da semana temos aulas pela manhã, das 9h00 às 11h00 e das 14h00 às 16h00. O assunto tem sido Hermenêutica e o tempo tem sido muito proveitoso. Os exercícios estão sendo feitos por todos e a maioria tem mostrado grande índice de aproveitamento. Começamos sempre com alguns cânticos, que a meu pedido têm sido cantados em chokwe, a língua que a maioria fala. É realmente tocante ver este povo cantar e mais ainda cantar junto com eles. Sempre alguém traduz o hino para mim no final. Quando a música é conhecida, ensaio uns “passos” com eles. Depois começam as aulas.

Sábado, para descansar, tivemos “somente” três horas de estudo de manhã, sobre o assunto de Sustento dos Obreiros. É paradoxal ter que vir aqui para ensinar sobre isso, sabendo que no Brasil as igrejas (pelo menos as chamadas Igrejas dos Irmãos) são uma vergonha nesta área. Como o profeta não tem honra na sua própria casa, talvez aqui o ensino tenha alguma resposta mais positiva. Pelo menos assim esperamos.

No domingo, estive em uma aldeia distante uns 15 km da cidade. É uma das 18 igrejas num raio de 20 km ao redor da casa onde estou. O salão de reuniões desta é uma cabana tipicamente africana, telhado de sapé e chão batido. Celebramos a Ceia do Senhor e a seguir tínhamos um estudo bíblico. Antes, uma surpresa. Uma apresentação do coral da igreja, com algumas de suas músicas típicas. Foi algo arrebatador ouvi-los cantar a Deus com seu ritmo africano, com dois atabaques feitos à mão (nos quais depois arrisquei uma seçãozinha de percussão), sem medo de expressar seu louvor à sua maneira. Hinos que falavam em seu próprio idioma e a seu próprio modo do mesmo Deus de amor que conhecemos na América do Sul e a Quem celebramos também ao nosso modo (quando nos deixam). Não tem como descrever isso. Só vendo para saber o que significa.

Depois do estudo (que foi traduzido para o chokwe), o coral cantou mais uma música e a igreja foi saindo da cabana e abrindo um grande círculo no terreno em frente, de modo que quando saímos todos estavam a nos esperar, jovens, crianças, senhoras, os presbíteros, para que os cumprimentássemos. O coral vinha atrás de nós, dançando e celebrando o Senhor e assim se terminou um dos ajuntamentos mais marcantes de toda a minha vida.

À tarde, fomos a uma outra igreja na cidade para mais um estudo. Desta vez foi somente em português. Muitos jovens presentes. Moços e moças lindos. Aliás, o povo angolano é muito bonito. As mulheres vestem-se com seus vestidos e turbantes coloridos e os homens estão sempre muito elegantes. Acima de tudo, o que chama a atenção é o interesse e a atenção. Ninguém levanta para beber água nem ir ao banheiro. Ninguém olha no relógio o tempo todo. E posso pregar por duas horas, se quiser.

Tem sido uma bênção também conversar com os missionários que estão aqui. Primeiramente com Eric & Margareth que estão em Luanda, mas que devem mudar-se definitivamente de Angola, possivelmente para o Zâmbia, no final deste mês. Rever Dona Becky, uma missionária que aos 77 anos está em plena atividade e conversar algumas horas com ela foi um privilégio imenso. Aqui em Saurimo, conheci Ruth Hadley, que está a me hospedar. Temos tido longos papos, sempre muito interessantes para conhecer detalhes da história e da cultura da igreja angolana. Ela está aqui há 22 anos e me prometeu um artigo para a próxima edição de Vigiai e Orai, que, se Deus permitir, será sobre Angola. Também estou reencontrando Brian Howden, que voltou com a família para a Inglaterra, mas que está fazendo visitas regulares de um mês nas igrejas onde trabalhou. Conheci também Mary Stewart, que atua principalmente na área de saúde.

Tenho tido bastante trabalho, mas muito mais do que isso, tenho tido alegria indizível em estar servindo aqui esses poucos dias. A saúde tem sido boa e estou bastante animado.

Sei que muitos que lerão este relatório estão orando por mim e peço que continuem. Precisei preparar mais matéria do que tinha imaginado, porque alguns assuntos foram dados nessas seções de sábado de manhã, que não estavam exatamente “programadas”. Mas não tem como dizer “não” diante de tanta sede da Palavra. Então estou precisando tirar o atraso dia a dia.

Saibam que suas orações têm sido respondidas a meu respeito e, por favor, continuem suportando nesta área.

Se Deus permitir, semana que vem eu mando outro breve relatório.

Marcos Soares
Enviado especial em Angola