A busca continua

7:23 Tudo isto provei-o pela sabedoria; e disse: Far-me-ei sábio; porém a sabedoria ainda ficou longe de mim.

24 Longe está o que já se foi, e profundíssimo; quem o poderá achar?

25 Eu me volvi, e apliquei o meu coração para saber, e investigar, e buscar a sabedoria e a razão de tudo, e para conhecer que a impiedade é insensatez e que a estultícia é loucura.

26 E eu achei uma coisa mais amarga do que a morte, a mulher cujo coração são laços e redes, e cujas mãos são grilhões; quem agradar a Deus escapará dela; mas o pecador virá a ser preso por ela.

27 Vedes aqui, isto achei, diz o pregador, conferindo uma coisa com a outra para achar a causa; 28 causa que ainda busco, mas não a achei; um homem entre mil achei eu, mas uma mulher entre todas, essa não achei.

29 Eis que isto tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas os homens buscaram muitos artifícios.
A admissão honesta de fracasso na busca da sabedoria é – se não é o começo da sabedoria – pelo menos um passo na direção do começo. A série de verbos, investigar… buscar… conhecer… (v.25), transparece a sinceridade da busca.

No entanto, faz parte da condição do homem que, embora ele possa realizar sua investigação e busca em termos de pesquisa tecnológica e filosófica, tem também de se voltar para a esfera dos relacionamentos humanos em sua busca de significado para o mundo, ainda que os vendo necessariamente através das lentes distorcidas do pecado.

Desta forma, nosso autor nos deixa perplexos com sua amarga conclusão: entre mil homens ele encontrou apenas um que não fosse um desapontamento, mas mulher nenhuma (v.28).

Como entender isso? Primeiramente precisamos lembrar que o autor está informando, não dogmatizando. Trata-se da experiência de um homem e ele não a universaliza.

A decepção descrita no v.26 pode distorcer ou até mesmo destruir qualquer tentativa subsequente de relacionamento. Sem dúvida Koheleth conseguiu escapar, como ele dá a entender na segunda parte do versículo (26b) – mas não sem ferimentos. Sua busca infrutífera de uma mulher em que pudesse confiar pode nos dizer muita coisa sobre ele: sua maneira de pensar e como cuida das suas amizades.

O último versículo do capítulo 7 (v.29) apresenta uma conclusão sobre a natureza humana mais firme do que a que poderia ser adquirida pela simples observação. O Koheleth se volta para a Revelação, baseando-se evidentemente em Gênesis 1-3. Neste versículo somos levados de volta à Queda, mas não às nossas origens. O verso nos dá a certeza restauradora de que nossos muitos artifícios (nosso obscurecimento moral, nossa recusa a andar corretamente) são nossa culpa, mas não nosso destino.

“Democracia é eu mandar em você. Ditadura é você mandar em mim” Millôr Fernandes

8:1 Quem é como o sábio? E quem sabe a interpretação das coisas? A sabedoria do homem faz brilhar o seu rosto, e com ela a dureza do seu rosto se transforma.

2 Eu digo: Observa o mandamento do rei, e isso por causa do juramento a Deus.

3 Não te apresses a sair da presença dele; nem persistas em alguma coisa má; porque ele faz tudo o que lhe agrada.

4 Porque a palavra do rei é suprema; e quem lhe dirá: que fazes?

5 Quem guardar o mandamento não experimentará nenhum mal; e o coração do sábio discernirá o tempo e o juízo.

6 Porque para todo propósito há tempo e juízo; porquanto a miséria do homem pesa sobre ele.

7 Porque não sabe o que há de suceder; pois quem lho dará a entender como há de ser?

8 Nenhum homem há que tenha domínio sobre o espírito, para o reter; nem que tenha poder sobre o dia da morte; nem há licença em tempo de guerra; nem tampouco a impiedade livrará aquele que a ela está entregue.

9 Tudo isto tenho observado enquanto aplicava o meu coração a toda obra que se faz debaixo do sol; tempo há em que um homem tem domínio sobre outro homem para o seu próprio dano.

Por que optar pela honestidade diante de um mundo onde o crime compensa? A resposta está no capítulo 8 das Palavras do Eclesiastes.

Muitas passagens no Antigo Testamento testemunham dos limites que a lealdade a Deus deve estabelecer quando é necessário agir diante de autoridades constituídas; basta lembrar a franqueza dos profetas e, entre os sábios, do indomável Daniel e seus companheiros.

v.1 A interpretação do sonho de Faraó feita por José agradou o coração do Rei e foi fundamental para a sobrevivência do povo de Deus. O Koheleth, no entanto, sugere que devemos ficar de olho no rei porque, no fim das contas, “o rei faz o que bem entende” (v.3 NVI). O rei bem pode ouvir a opinião do sábio, se alegrar com a resposta e, depois disto, dar de ombros ao conselho e agir de maneira diferente. Foi o que aconteceu com Roboão, que sucedeu seu pai, Salomão.

Assim que Roboão assumiu o trono, o povo fez um grande clamor, pedindo ao novo rei que diminuísse os pesados impostos cobrados por seu pai. Ele consultou os conselheiros que antes serviram a Salomão. Eles o aconselharam a atender o povo e desta forma, mantê-los sempre do seu lado. Ele também convocou o conselho de outros conselheiros, alguns amigos de infância. O conselho dos mais velhos era mais sensato e, mesmo assim, ele optou por ouvir seus amigos. Ele ouviu os sábios, mas fez o que bem entendeu. Em vez de diminuir os impostos, ele os aumentou. Como consequência, o reino, que antes estava unido, rachou em dois: Judá ficou de um lado e Israel de outro (1 Rs 11:41-12:17).

O v.9 faz lembrar o irônico comentário de Millôr Fernandes: “Democracia é eu mandar em você. Ditadura é você mandar em mim”. O aviso deste versículo é que não devemos nos iludir com o comportamento do rei, nem de seus herdeiros.

8:10 Vi também os ímpios sepultados, os que antes entravam e saíam do lugar santo; e foram esquecidos na cidade onde haviam assim procedido; também isso é vaidade.

11 Porquanto não se executa logo o juízo sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para praticar o mal.

12 Ainda que o pecador faça o mal cem vezes, e os dias se lhe prolonguem, contudo eu sei com certeza que bem sucede aos que temem a Deus, porque temem diante dele; 13 ao ímpio, porém, não irá bem, e ele não prolongará os seus dias, que são como a sombra; porque ele não teme diante de Deus.

14 Ainda há outra vaidade sobre a terra: justos a quem sucede segundo as obras dos perversos, e perversos a quem sucede segundo as obras dos justos. Digo que também isto é vaidade.

15 Então, exaltei eu a alegria, porquanto para o homem nenhuma coisa há melhor debaixo do sol do que comer, beber e alegrar-se; pois isso o acompanhará no seu trabalho nos dias da vida que Deus lhe dá debaixo do sol.
Se existe algo que nos revolta é ver os perversos progredindo, cheios de autoconfiança. Pior ainda quando a perversidade é respeitada e recebe inclusive a bênção da religião (v.10a).

O que o Pregador reforça aqui é a certeza do julgamento. No final, a coisa certa será feita, de qualquer jeito: … bem sucede aos que temem a Deus. Mas o perverso não irá bem… (vv.12-13): a perversidade cava a sua própria sepultura e a justiça o seu próprio jardim.

Não é raro, contudo, a inversão deste padrão, confundindo tudo

v.14 Há mais uma coisa sem sentido a respeito do rei: “há mais uma coisa sem sentido na terra: justos que recebem o que os ímpios merecem, e ímpios que recebem o que os justos merecem” (8:14 NVI). Em outras palavras, para alguns, o crime compensa! Há criminosos que vivem melhor do que os justos. Os justos são oprimidos e esquecidos em sua morte. Enquanto estão vivos comem o pão que o rei amassou. E o que fez o rei? Comeu caviar com o imposto que arrancou deles! Isso não faz o menor sentido e é uma grande injustiça.

Se perguntássemos ao Pregador qual a lógica por trás dessa realidade ele resumiria em apenas uma palavra: impunidade, pois “enquanto não se executa logo o juízo sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para praticar o mal” (v.11). O Pregador está descrevendo o mundo em que vivemos. Mas isso justifica adotar as ações do criminoso? Não! Claro que não! A tempestade não se forma logo, mas pode contar que ela vai desabar sobre a cabeça do criminoso.

Os opressores têm uma vida boa proporcionada pelo crime. No entanto, o Dia do Juízo vai chegar para homens maus, reis insensatos e criminosos, mesmo que estes nem se preocupem com isso. O ímpio pode cometer centenas de crimes e ainda assim ter vida longa. Mas o Koheleth sabe que as coisas serão melhores para os que temem a Deus e que são reverentes em sua presença.

O argumento do justo juizo de Deus pode satisfazer a mente, mas não a alma. Nada muda. É exatamente nessa hora que o Eclesiastes afirma: “não se apresse em deixar a presença do rei” (v.3 NVI). O rei personifica a autoridade legítima. A legitimidade da autoridade civil se sustenta por seu compromisso de promover o bem e coibir o mal, isto é, zelar pela justiça das relações sociais. Em outras palavras, autoridade corrupta é autoridade ilegítima. Isso está expresso pelo apóstolo Paulo em sua Epístola aos Romanos 13.

Desta forma podemos chegar ao ponto defendido pelo Pregador. Ele não está traçando regras sobre as relações políticas ou de cidadania. Sua intenção é nos incentivar a obedecer à lei em vez de abraçar a vida do crime. Corremos o risco de sofrer se andarmos na lei, mas é líquido e certo que vamos sofrer se andarmos fora da lei.

Talvez você sofra se andar dentro da lei, mas o Justo Juiz estará do seu lado quando se levantar para julgar com justiça. Porém, se você tiver trilhado o caminho do crime, o Justo Juiz se levantará para julgar com justiça e estará contra você.

8:16 Aplicando-me a conhecer a sabedoria e a ver o trabalho que há sobre a terra—pois nem de dia nem de noite vê o homem sono nos seus olhos—, 17 então, contemplei toda a obra de Deus e vi que o homem não pode compreender a obra que se faz debaixo do sol; por mais que trabalhe o homem para a descobrir, não a entenderá; e, ainda que diga o sábio que a virá a conhecer, nem por isso a poderá achar.

O Eclesiastes não entende bem muitas coisas, mas consegue chegar perto da mente de Deus nos vv.16-17. O criminoso, aquele que transgride a lei de Deus, tem mais do que precisa para viver bem, mas ainda assim falta a ele algo com que satisfazer a alma. O criminoso põe a cabeça no travesseiro e não dorme, não dorme o sono dos justos. E não dorme porque a vida não lhe faz sentido. E a vida não lhe faz sentido porque não consegue enxergar o que Deus faz no mundo.

E o justo? Bem, esse tem um pedaço de pão, sua família é simples, tem amigos em volta da mesa e encontra contentamento nessas coisas. À noite, quando coloca a cabeça no travesseiro ele dorme, e
dorme bem porque vive bem.

Esse é o paradoxo que o Eclesiastes nos propõe: de um lado está o criminoso que controla, oprime e despreza Deus; de outro lado está o justo, que é controlado e oprimido pelo criminoso, mas enxerga Deus no mundo. De um lado está o criminoso que tem tudo e não enxerga nada porque não enxerga Deus; de outro lado está o justo que não enxerga tudo, mas enxerga Deus. De um lado está o criminoso que não vive e passa a noite em sobressaltos; de outro lado está o justo que vive e consegue dormir. Nesse paradoxo o criminoso tem tudo, mas é o justo que vive bem porque vive com Deus.

“Ser cristão não significa ser religioso de uma determinada maneira, tornar-se alguém (um pecador, um penitente ou um santo) com base em alguma metodologia, mas significa ser pessoa; Cristo não cria em nós um tipo de ser humano, mas o próprio ser humano”. Dietrich Bonhoeffer, Resistência e Submissão.