A era digital veio pra ficar! Revolucionou nossas vidas e trouxe a esta geração uma série de benefícios. E quando o assunto é educação de filhos, quantas facilidades, não? Artigos, blogs, sites, serviços online, aplicativos, jogos educativos, livros virtuais, desenhos, filminhos… Nossos pequenos tiveram o privilégio (ou não) de nascer e crescer numa geração cercada pelos mais diversos estímulos. E nós, pais e mães, tivemos o privilégio (ou não) de viver a experiência da paternidade/maternidade nessa era em que um clique é capaz de resolver os piores problemas. Se é preciso entretenimento, opa, tá na mão! Aqui está o tablet para a hora em que a mamãe está atarefada e o filhote não larga a barra da saia. E se o baixinho não quer ficar na cadeirinha do carro de jeito nenhum? Taca-lhe Peppa Pig no celular! Magia pura e sem mistura! E no momento das refeições, quando papai e mamãe querem comer sossegados? Um joguinho educativo vem bem a calhar! Pesquisa escolar? É só “dar um Google”, filho! Receitinhas saudáveis? Opa, entra aí no blog da Bela Gil! Vamos agendar um passeio cultural em família? Claro, é só acessar aquele aplicativo nota mil e escolher um programinha com o nosso perfil!

Pois é, consigo enxergar e enumerar com facilidade os muitos benefícios que a onda da era digital trouxe até a nossa praia, mas como pais e responsáveis precisamos ficar atentos às inúmeras “águas vivas” que vieram camufladas nessa onda e que têm, de certa forma, “queimado” a infância dos nossos pequenos. A palavrinha de ordem hoje é “ócio”, ou seja, a ausência de ocupação. De um modo geral as crianças dessa era desconhecem a ociosidade. Para elas não existe o “não fazer nada”. Mesmo em seus poucos momentos de repouso, estão sendo entretidas de alguma forma. A todo tempo estímulos lhe são oferecidos. Se não é a escola, é o inglês. Quando não o inglês, a natação. E quando não a natação, é a aula de música. Quando não a música, é o ballet ou o judô. E quanto não o judô, é a hora do parque. E quando não é o parque, é o joguinho educativo. E quando não o joguinho, é o vídeo-game, o desenho, são os filmes, as redes… Já parou pra pensar quantas horas por semana seu filho dispõe de momentos de estímulo zero? E quando digo zero, é zero mesmo! Nada, nadica de nada!

Talvez de início essa possibilidade soe um tanto quanto negativa pra você: “Mas Dani, o que há de bom em não se fazer absolutamente nada?” A beleza do ócio, a beleza da falta total de estímulos, a beleza da falta de ocupação é a beleza de proporcionar ao seu filho a oportunidade de criar, inventar e solucionar problemas. É oferecer-lhe o prazer e a experiência da espontaneidade. J. L. Moreno – médico, psicólogo e filósofo – diz que somos reduzidos a peças de engrenagens quando privados da espontaneidade. “A espontaneidade é a capacidade de agir de modo adequado diante de situações novas, criando uma resposta inédita, renovadora ou ainda transformadora. Nesse sentido, ser espontâneo significa estar presente às situações e procurar transformar seus aspectos insatisfatórios. A possibilidade de modificar uma dada situação ou de estabelecer uma nova, implica em criar: produzir alguma coisa nova. A criatividade é indissociável da espontaneidade, sendo esta um fator que permite ao potencial criativo atualizar-se e manifestar-se.” ¹

A era digital, mesmo com todos os seus benefícios, tem privado nossos filhos dos momentos de ócio, pois a todos os instantes e em todos os lugares os estímulos estão ali, prontos para preencherem qualquer brecha na agenda. Os joguinhos de receitas, por exemplo, já vêm com as opções de pratos prontos, os ingredientes estão ali, é só escolher e misturar. Não há espaço para criar, inventar e imaginar: “Que receita vou fazer hoje? E se substituir esse ingrediente por outro? Qual a textura e aroma deste alimento?” O Netflix, outro exemplo, nos disponibiliza uma infinidade de filmes e desenhos. Só temos o trabalho de selecionar. E onde está o espaço pra criar uma aventura, construir os personagens e enredos? O entretenimento está ali, pronto e mastigado. É só clicar e engolir. Veja bem, não estou dizendo que temos que nos abster de todo e qualquer tipo de tecnologia e entretenimento, mesmo porque faço uso deles e gosto bastante (esse artigo é um exemplo). Mas como tudo nessa vida, é preciso buscar o equilíbrio. Se temos o momento do estímulo pronto, é preciso também o momento do ócio.

“Não tem nada pra fazer, meu filho? Ótimo! Crie, invente, faça acontecer! E se quiser ficar sentado olhando pro céu, apenas sonhando acordado, perfeito! Isso faz muito bem pro seu desenvolvimento também, pode acreditar!” A oportunidade do conflito (“Oh céus, o que vou fazer agora?”) leva a busca por uma solução. E a solução de qualquer conflito depende, em boa parte, do sucesso em conflitos anteriores, disse certa vez o psicanalista Erik Erikson. Ou seja, quanto mais oportunidades de ócio seu filho encontrar, mais experiente vai ficar na arte de criar, inventar e solucionar problemas.

E se quiser ficar sentado olhando pro céu, apenas sonhando acordado, perfeito!

Para Teresa Belton, pesquisadora da Universidade East Anglia, na Grã-Bretanha, a expectativa cultural de que as crianças estejam sempre ativas pode minar o desenvolvimento de sua imaginação. “Crianças precisam ter um tempo para parar e pensar, imaginando que eles possuem seus próprios processos de pensamento e assimilação, por meio de experiências com brincadeiras ou apenas observando o mundo ao seu redor”. Este é o tipo de coisa que estimula a imaginação, ressalta a pesquisadora, enquanto a tela de alguns aparelhos “tende a criar um curto-circuito no processo de desenvolvimento da capacidade criativa”. E conclui: “Para o bem da criatividade talvez devamos diminuir nosso ritmo e ficar offline de tempos em tempos”

Já faz alguns anos que li pela primeira vez sobre a importância de períodos de ócio na rotina da criança e há algum tempo venho praticando com os meus filhos. O André, de seis anos, por exemplo, se tornou um expert em inventar brinquedos e brincadeiras. Hoje mesmo, quando fui buscá-lo na escola, ele me apresentou um kit dos Avengers feito com papel de secar as mãos, enquanto me esperava. Nesse kit encontrei: lança dardos, anel mágico e algumas cartas. Outro dia ele trouxe um gibi feito com folhas de papel higiênico que criou também na hora da saída. Ficou incrível! Nas nossas viagens de carro também procuramos evitar os estímulos tecnológicos e optamos pelos jogos inventados (que sempre nos arrancam boas risadas). Em casa eles assistem TV, jogam vídeo-game, usam o tablet, mas com tempo limitado. Sempre chega a hora em que peço pra buscarem outra coisa psra fazer.

Segundo o pediatra dr. Roberto Cooper, “no planejamento das atividades de nossos filhos devemos considerar um tempo para não fazerem nada. Um tempo ocioso, onde, deixados livres, farão o que quiserem. E, para fazer o que quiserem, terão que ousar e criar. Sem a nossa ajuda  (ou ajuda da tecnologia), determinando o que é para ser feito ou sugerindo brincadeiras, terão um tempo para a reflexão criativa. O tempo sem fazer nada é onde tudo acontece!  É o tempo onde a noção de liberdade se expressa com intensidade e as descobertas de limites e responsabilidade também vão acontecer. Não fazer nada é o tempo onde através da criatividade se constrói a auto estima, a noção de capacidade e competência, a segurança em si.” ³

Pois bem, se achou coerente essa visão e ficou tentado a testar com seus filhos, sugiro que programe na agenda semanal um tempo para o ócio, talvez uma hora por dia ou duas horas a cada dois dias. Nesta era onde o fazer é fundamental, onde as palavras performance, resultados, metas e objetivos parecem bombardear nossas mentes e, consequentemente, a agenda de nossos filhos, reserve para eles um tempo para encontrar o SER no NÃO FAZER.

[1] Lições do Psicodrama, Introdução ao Pensamento de J. L. Moreno, página 46 e 47
[2] Pesquisadora sustenta que crianças ociosas se tornam mais criativas
[3] Prescrevendo ócio para crianças