Como chegar a uma conclusão teológica?

Normalmente as conversas, debates e discussões sobre teologia giram em torno das diferentes perspectivas apresentadas: Pessoas apresentam suas conclusões e dialogam sobre suas diferenças na tentativa de clarificar sua própria opinião e apontas os possíveis equívocos da opinião do outro. Entretanto, pouco tempo é investido no diálogo relacionado ao processo de formação de uma opinião teológica. Por isso, nesse artigo gostaríamos de responder a pergunta: Se a Bíblia é a fonte de informação para a Teologia Cristã, como as pessoas chegam a diferentes conclusões teológicas?

Para responder a essa pergunta, nesse post pretendemos: (1) Definir o que é uma conclusão teológica; (2) Apresentar as diferentes partes da definição e (3) Demonstrar como as diferentes partes consolidam uma conclusão.

Nosso objetivo é oferecer uma introdução a metodologia teológica com o objetivo de auxiliar a conversa teológica entre pessoas de diferentes opiniões dentro da ortodoxia cristã.

Por fim, vamos apresentar nossa perspectiva sobre a validade do diálogo entre pessoas de opiniões teológicas por apresentar nossa perspectiva no assunto.

1. Definição de conclusão teológica:

Como chegar a uma conclusão teológica?

Como chegar a uma conclusão teológica?

O que é uma Conclusão Teológica? Uma conclusão teológica é o resultado da (1) análises de um conjunto de evidências, (2) baseadas em um conjunto de pressupostos(3) por meio de um método previamente definido. Ou de modo mais simples: [Evidência] + [Pressuposto] + [Método] =Conclusão. Nossa definição assume que o resultado da reflexão teológica inclui não apenas o texto, mas também o humanopor trás da interpretação do mesmo. Ela também assume que o humano não é isento de preferências e perspectivas, o que por fim gera as diferentes opiniões. Também assume que a sistematização teológica é também dependente de tal conjunto de preferências e perspectivas, a que denominamos pressupostos. Também assume que existem diferentes modos de abordagem da evidência fundamental da teologia.

Por outro lado, nossa definição exclui a atuação divina na produção da opinião teológica, não por assumir que Deus não está presente no processo, mas para realçar a falibilidade de todos os nossos sistemas teológicos, que em última análise são todos produzidos por seres humanos caídos. Com isso estamos dizendo que nenhuma das nossas conclusões teológicas tem o mesmo status ou autoridade das escrituras inspiradas por Deus, sem negar que o labor teológico deva ser feito debaixo da orientação e supervisão divina. Nossa definição também exclui a qualidade moral ou espiritual do indivíduo por trás da produção teológica, pelo simples fato de que conclusões teológicas não são o monopólio dos santos. Qualquer um pode chegar uma conclusão teológica, santos, cristãos carnais, ateus e atoas. A validade de tais conclusões está sujeita à validade de suas afirmações.

2. O que constitui ‘evidência‘ na produção teológica?

Em outras, nós estamos perguntando qual é a extensão da matéria prima da conclusão teológica. Existem basicamente dois tipos de evidências a serem analisadas: (1) Evidências primárias e (2) Secundárias.

A. Evidências Primárias

O texto original das escrituras é a evidência primária da teologia

O texto original das escrituras é a evidência primária da teologia

Para Teologia Cristã, constitui-se evidência primária o texto das escrituras no seu idioma original. Aqueles que investigam o texto no seu idioma original estão lidam em primeira mão com a mais importante evidência para a construção da teologia. De forma geral, quatro tipos de “pesquisadores” fazem esse trabalho: (a) Crítico textual, (b) o Exegeta, (c) o Teólogo e (d) o Pastor

O crítico textual trabalha com a análise do texto do ponto de vista da sua forma e a pergunta mais importante para ser respondida por ele é: “Qual é o texto original da passagem?” Para responder a essa pergunta, o crítico textual vai analisar os manuscritos existentes de determinado texto para apontar onde, como e por que (se possível) o texto foi alterado durante séculos de transmissão manuscrita (feita a mão). Sua conclusão apresenta a forma mais antiga possível (ou até mesmo o original) de um determinado texto das escrituras.

O exegeta trabalha com a análise do texto do ponto de vista do sentido e significado e as perguntas mais importantes para serem respondida por ele são: “O que o texto diz?” e “Qual é o significado desse texto?”. Assumindo a forma do texto (ou até investigando a mesma), o exegeta se esforça para analisar as conexões sintáticas, gramaticais, léxicas, e o pano de fundo histórico para oferecer a tradução do texto de modo mais apropriado e para apresentar o significado do texto em conformidade com o texto original.

O teólogo trabalha com a análise do texto do ponto de vista do conteúdo e da coerência e as perguntas mais importantes para serem respondidas por ele são: “Qual é o valor teológico desse texto?” e “Como esse texto se relaciona com as escrituras?” Assumindo (ou até mesmo investigando) o sentido e o significado de um conjunto de textos, o teólogo os agrupa por temas e atribue o devido valor teológico a eles.

O pastor trabalho com a análise do texto do ponto de vista prático e a pergunta mais importante para ser respondida por ele é: “Com esse texto se aplica de modo prático hoje?”. Assumindo (ou até mesmo investigando) o sentido e significado de um texto em particular, o pastor estuda o texto com o objetivo de apresentar ao cristão o que Deus espera dele a partir do texto estudado.

O pesquisadores apresentados aqui representam diferentes e não auto-excludentes abordagens ao texto original. Mas como você pode perceber, usando a mesma ‘evidência’, diferentes abordagem podem apresentar diferentes sentidos de um mesmo texto, o que facilmente explica como opiniões diferentes podem surgir da análise de um mesmo texto.

B. Evidências Secundárias

Livros de teologia, exegese, comentários

Livros de teologia, exegese, comentários, dicionários.

Por evidências secundárias queremos dizer todo o material produzido por críticos textuais, exegetas, teólogos e pastores. O aparato crítico produzido por um grupo de críticos textuais é uma forma de evidência secundária, bem como o léxico, dicionário etimológico, exegético, e teológico. A tradução e comentário de um exegeta, a teologia sistemática e o livro pastoral também são evidências secundárias. Nesse sentido, qualquer livro produzido sobre as escrituras sob qualquer foco, em qualquer período da história se configura evidência secundária.

Mas, isso não significa que eles são equidistantes da evidência primária, pois é possível ler livros de teologia que apesar de serem úteis não tiveram contato com o texto original, evidência primária da teologia. O mesmo pode ser dito sobre livros pastorais e comentários populares. Comentários intermediários e avançados interagem largamente com o texto original e por isso estão mais próximos da evidência primária das escrituras.

Também se considera evidência para o estudo teológico, a teologia produzida historicamente por cristãos, conhecida como Teologia Histórica. Nessa grupo de evidência encontramos os que os Pais da Igreja, os Teólogos Medievais, Modernos e contemporâneos. Como se pode perceber, a quantidade de informação existente aqui leva pessoas a apresentarem diferentes valores esse conjunto de evidência.

Como é possível perceber, o labor teológico pode ser fatigante. Há mais evidência a ser analisada do que muitas pessoas pensam. Uma conclusão teológica séria precisar entrar em contato, em algum nível, com a evidência primária da teologia (nem que seja através do auxílio de comentários) e com uma boa dose de evidências secundárias. Mas, como o próprio nome sugere, todas as evidências secundárias estão sujeitas ao texto das escrituras.

3. O que é ‘método teológico‘?

Método Teológico é o meio pelo qual as evidências são processadas. Uma vez coletadas as evidências, o estudante de teologia vai agora processar as informações usando critérios que deveriam ser previamente definidos. Diferentes métodos teológicos são conhecidos. Os métodos aqui apresentados foram extraídos e adaptados da apostila de Teologia Sistemática do Scott Horrell [material não publicado].

A. Modelo Tradicional (Teologia Sistemática)

Modelo Tradicional de Teologia Sistemática

Modelo Tradicional de Teologia Sistemática

No modelo da tradicional da teologia sistemática, uma afirmação/conclusão teológica é o resultado da Epistemologia + Escritura + Teologia Bíblica. Epistemologia é o estudo do que sabemos e de como sabemos o que sabemos que é primariamente fundamentada no modelo de correspondência da verdade (i.e. a verdade consiste na correspondência com a realidade). Por escritura, se entende o estudo da mesma e inclui a crítica textual, linguística, o estudo do pano de fundo histórico e a exegese.O resultado desse estudo organizado em conformidade com autor, estilo, data é chamado de Teologia Bíblica, que por fim será sistematizada e chamada de Teologia Sistemática.

O problema do modelo tradicional é que a história da teologia não faz parte do seus esforços, como se a opinião dos cristãos de outras eras não fosse importante para o labor teológico. Outro ponto fraco, é que esse modelo teológico assume que a conclusão teológica é o ponto final do labor teológico. Também assume que tal conclusão não precisa ser re-avaliada. Por outro lado, esse modelo é claramente centrado nas escrituras e se esforça para mantê-la como substrato da teologia.

B. Modelo Cíclico (Teologia Sistemática)

Modelo Tradicional Circular

Modelo Tradicional Circular

No modelo tradicional cíclico, o mesmo grupo de evidências é analisado, mas nele o teólogo tenta corrigir o problema de assumir a conclusão teológica como ponto final, e aceita a reavaliação da mesma através do aprofundamento no estudo. Nesse modelo, a teologia histórica é também considerada como parte da pesquisa teológica. Com essas pequenas alterações esse modelo aprimora o modelo tradicional nos pontos fracos que apresenta. O que é interessante nesse modelo teológico é a pressuposição de que a conclusão teológica não é estática, mas está em processo de desenvolvimento. Nesse modelo, o labor teológico não tem fim, e presume que o teólogo está sempre processo. Por outro lado, a exegese bíblica perde [um pouco] seu papel de importância.

C. Teologia e Exegese

D.A. Carson

A centralidade da exegese na produção teológica

D.A. Carson, por outro lado, sugere que o método teológico adequado é aquele que assume a exegese como substrado da conclusão teológica. Para ele, a exegese produz a teologia bíblica, que auxiliada pela teologia histórica produz a teologia sistemática, que por sua vez é reavaliada pela teologia bíblica e pela exegese. Segundo ele, é somente nessa interdependência entre a conclusão teológica e a exegese que se sistematiza responsavelmente a teologia cristã [D. A. Carson, “Unity and Diversity in the New Testament: The Possibility of Systematic Theology,” in Scripture and Truth (2d ed., Carlisle: Paternoster; Grand Rapids: Baker, 1992) 91].

D. Teologia e Experiência

A tradição Wesleyiana define que a teologia tem quatro pilares fundamentais:

Método Teológico Wesleyano

Método Teológico Wesleyano

Escritura, a tradição, a razão e a experiência. Nesse modelo, conhecido como quadrilátero wesleiano, a escritura e a tradição são interpretadas tanto pela razão quanto pela experiência. Segundo Wesley, o estudante de teologia “não deve subestimar o valor da evidência apresentada pela tradição, pois é extremamente útil em seu gênero e grau” [Works, X, 75]. Wesley também entendia a experiência como a mais importante evidência do Cristianismo e acreditava ser também a mais simples de ser compreendida: “Eu era cego, mas agora eu vejo“, e portanto deveria fazer parte do labor teológico cristão.

Em geral, outras tradições importantes do protestantismo não aceitam que a experiência faça parte da produção teológica. O argumento é que enquanto a evidência da escritura é objetiva, a experiência é subjetiva e pode conduzir o estudante a conclusões aprovadas pela experiência mas rejeitadas pelas escrituras. O problema desse argumento é que ele assume que a interpretação do texto da escritura é estritamente objetiva, o que por experiência sabemos não ser. As diferentes opiniões teológicas não nos deixam mentir aqui.

Os métodos apresentados aqui não são, de forma nenhuma, definitivos ou exclusivos. Nem são os únicos existentes. Aliás, existem tantas propostas de métodos quanto existem teólogos e suas opiniões. O que aprensentamos aqui são apenas apresentação dos mais conhecidos e usados métodos teológicos. Como ficou evidente nessa breve apresentação, a evidência para a teologia é processada por um método definido, e por isso não é de se surpreender que pessoas olhando para o mesmo grupo de evidências cheguem a conclusões completamente diferentes.

4. O que é um ‘pressuposto‘?

Pressuposto é o conjunto de ideias normalmente [não necessariamente] definidas à priori que serve como ponto de partida para a análise das evidências. Eventualmente esse conjunto de ideias é suportado por evidências e é fruto do labor teológico. Por outro lado, eventualmente o mesmo é apenas assumido como verdadeiro. Por exemplo: Milagres existem? Aqueles que acreditam que milagre não podem existir em um mundo real mas aceitam o valor religioso das escrituras, apelam para a natureza ‘mítica‘ dos relatos dos evangelhos. Para aqueles que acreditam que milagres são possíveis no mundo real em função da existência real de um Deus sobrenatural que pode intervir soberanamente em Sua criação, os relatos do evangelho são descrições da verdade.

Um interessante exemplo do primeiro caso é William Barclay. No livro “The mind of Jesus” ele argumenta que os milagres relatados nos evangelhos são verdadeiros à medida que se entende o significado dos mesmo. Os milagres carregam sentido religioso real mas é historicamente improvável que tenham acontecido como narrados. Os eventos não representam a realidade, mas a mensagem é viva e útil. Por outro lado, Darrell Bock no livro “Jesus according to the Scriptures“, partindo do pressuposto de que Jesus é o Homem-Deus, defende que os milagres são reais tanto no evento como no sentido.

Esse tipo de fenômeno é comum e recorrente na produção teológica e para ilustra-lo vou usar um exemplos pessoal de como meus pressupostos dirigiram meu labor teológico para o erro hermenêutico. Dessa forma, posso ser sincero, objetivo e duro pois sei que o autor não vai se ofender.

No artigo Jesus afirmou ser Deus?, eu intentei demonstrar como o relato dos evangelhos apontam para o fato de que Jesus de fato afirmou ser Deus. Para isso, selecionei algumas das obras e ensinos de Cristo que apontam para o fato de que Cristo é apresentado como divino nos evangelhos sinópticos. Também apresentei ocasiões nas quais Jesus aceita dos homens o que somente Deus poderia aceitar. Com um caso cumulativo tentei demonstrar que Jesus afirmou ser Deus com o que fez e falou, e de fato, acredito que o artigo fez isso muito bem. Entretanto, ao interpretar Mat.4.7, eu afirmei que Jesus afirmou ser Deus quando disse: “Novamente está escrito: ‘Não deves pôr Jeová, teu Deus, à prova.’”. E então conclui: “Nessa simples frase, Jesus disse: Pare de me tentar, eu sou Jeová teu Deus. Simples e claro“.

De fato, fui atraído a essa interpretação do texto por influências do Norman Geisler, a quem admiro e respeito, mas infelizmente essa interpretação está equivocada. O pressuposto teológico de que Jesus é Deus [que está correto] me levou a ler o que não estava no texto. O pressuposto atribuiu cores ao texto que o texto mesmo não tinha. Ao invés de extrair do texto o sentido eu importei o sentido da minha teologia ao texto. Violei as escrituras com a minha teologia. A intenção era boa, mas o resultado não.

Conclusão

Como ficou claro nesse artigo, existem diferentes métodos para avaliar um determinado grupo de evidências que, em geral, é afetado pelos pressupostos assumidos pelo teólogo. Por isso, o labor teológico deve ser feito com respeito às escrituras a ponto de o autor poder rejeitar seus próprios pressupostos em benefício da verdade apresentada no texto. Ainda que diferentes métodos sejam utilizados, e até mesmo um diferente conjunto de evidências sejam analisadas, o estudante de teologia deve estar disposto a abandonar suas conclusões pessoais em favor da verdade que encontra no texto das escrituras. Inspirada é a escritura e Seu autor, não seu leitor, não importa quão qualificado ele pareça ser.

Agora, conhecendo um pouco mais sobre como uma conclusão teológica é construída e as diferentes facetas do estudo teológico, você pode entender por que é que existem tantas vertentes teológicas apesar de o texto base ser o mesmo. Nem sempre o problema é a evidência, mas o método pelo qual as evidências são analisadas. A diferença entre arminianos e calvinistas não está relacionada ao texto da escritura, mas ao conjunto de pressupostos e o método pelo qual a evidência é analisada. O mesmo pode ser dito da diferença entre aliancistas e dispensacionalistas, cessacionistas e pentecostais e assim por diante. O problema não é o conhecimento da evidência, mas o processamento da mesma. Não se resolvem essas diferenças por citar diferentes versos (como se os oponentes não os conhecessem), mas ao entender o como se processou as diferentes opiniões.

Em outras palavras, é assim que se chega a uma conclusão teológica.