Reforma agrária no direito autoral

Já pensou em copiar, recriar e distribuir de graça uma música de Gilberto Gil na rede? Agora pode.

O cantor e ministro da Cultura, Gilberto Gil, é o primeiro artista brasileiro a aderir publicamente à licença Creative Commons, que foi lançada oficialmente hoje (04/06) em debate no 5º Fórum Internacional de Software Livre de Porto Alegre.

Foi justamente essa licença, que permite que uma obra seja copiada, remixada e compartilhada digitalmente, que possibilitou ao DJ Dolores retrabalhar a faixa “Oslodum”, do disco “O Sol de Oslo” (1998), de Gil, sem esbarrar numa jornada burocrática para a liberação dos direitos autorais.

A versão vai integrar um CD da edição de agosto da revista americana “Wired”, dedicado aos novos rumos da economia musical.

Aberta a qualquer produtor cultural interessado (músicos, cineastas, fotógrafos, escritores…), a Creative Commons, criada nos EUA em 2001, vem sendo adaptada por um grupo de especialistas da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, desde meados de 2003.

Disponível no www.creativecommons.org, tem como objetivo criar um meio termo legal entre o “todos os direitos reservados”, dos contratos de direito autoral tradicionais, e o domínio público.

“Do jeito que está hoje é 100% não. Ninguém pode usar uma obra, para fins comerciais ou não, sem autorização. Tudo é protegido, mesmo que muitos artistas se interessem em liberar para conseguir divulgação”, afirma Ronaldo Lemos, 28, mestre em direito pela faculdade de Harvard e um dos principais responsáveis pela adaptação da licença para o país.

“O Creative Commons joga com desde o “pode tudo” até o “pode fazer alguma coisa”. Não são todos, mas “alguns direitos reservados”.”

“É necessário mudar a idéia de que, se não controlarem todo o uso de suas obras, os produtores estão perdendo. Não temos controle se as pessoas assobiam músicas para elas mesmas ou as cantam no chuveiro”, disse à Folha por telefone Lawrence Lessig, professor da universidade Stanford e ideólogo do Creative Commons, que participa da discussão hoje em Porto Alegre.

Um exemplo prático é a banda pernambucana Mombojó. Lançado há poucos meses de modo independente, o disco de estréia do grupo teve grande parte de suas faixas disponibilizadas gratuitamente na internet.

“A briga maior de uma banda independente hoje é a distribuição. E a Internet nos deu isso de presente: o site é o escritório da banda”, defende o vocalista Felipe S. Sob a licença Creative Commons, o grupo pretende liberar em seu site três faixas para remix de outros artistas.

Outros “independentes”, como a rede inglesa de TV BBC, também se pronunciaram sobre o modelo: “Creio que estejamos prestes a passar a uma segunda fase na revolução digital, uma fase mais focada no valor público que no privado; sobre serviços gratuitos, não pagos; sobre inclusão, não exclusão”, disse em agosto passado Greg Dyke, então diretor da estatal, anunciando a intenção de tornar livre, na Internet, o uso não comercial do histórico acervo de programas da BBC.

Na última semana, a BBC voltou a tocar no assunto, informando que usaria a licença Creative Commons para viabilizar legalmente o projeto.

“A flexibilização da propriedade intelectual deixou de ser algo alternativo, que corre por fora dos marcos legais. Há uma aliança com o pensamento júrídico internacional”, declarou Gil. “O que estamos precisando é de uma certa reforma agrária no campo da propriedade intelectual.”

Reportagem publicada na edição de 03/06 da Folha de São Paulo