Romanos: evangelho segundo Paulo

Sua importância para a Teologia e a Pregação Cristã de hoje

Introdução

Romanos. Epístola. Uma carta circular que compõe o Corpus Paulinus.

Há boas razões para crer que, em adição à copia da carta levada à Roma, foram feitas outras cópias e enviadas a outras igrejas. Uma das coisas que apontam para isso é a evidência textual do fim do capítulo 15, que indica que havia em circulação na antiguidade uma edição da carta à qual faltava o capítulo 16. Este capítulo, com suas saudações pessoais, teria valor apenas para uma igreja”. [1]

A epístola de Paulo aos Romanos é cheia de material litúrgico e recheada também com material de confissão de fé, bem como hinos de louvor e adoração a Deus por suas obras.

O texto surge na necessidade que Paulo vê em aprofundar mais o tema do Euangelion (evangelho em grego koinê) para as Igrejas que estão passando por toda sorte de coisas desacompanhadas de quem tem a visão mais abrangente sobre o tema. Além de apresentar uma descida profunda no Evangelho ele traz consigo na epístola uma explicação sobre o tema pungente da época que era a questão judaica no meio da Igreja – ou seja, como é que Deus tratará os judeus? Não foram eles que crucificaram a Cristo?

A carta de Paulo à Igreja em Roma deve ser estudada do ponto de vista teológico, pois ele aplica os conceitos e ensinamentos de Cristo a Igreja de forma prática e vigorosa, tratando de assuntos concernentes muitas vezes às novas igrejas surgidas em seu ministério bem como, abrangentemente, ao contexto maior da Igreja, vindo ao encontro das necessidades de qualquer igreja, em qualquer época, em qualquer contexto.

Por isso é necessário estudar a carta contextualmente, para entender corretamente o que Paulo está propondo para aqueles cristãos e o que sua época tem a dizer – assim entenderemos corretamente o que pode e deve ser aplicado à nossa vida e o que foi contextualmente aplicado à Igreja em Roma (ou outras) em suas épocas.

Contexto da época em que a Igreja em Roma existia e sobre a escrita de Paulo

A Igreja em Roma não havia sido fundada recentemente e nem por Paulo. Provavelmente, os crentes que estavam ali, advinham principalmente da grande conversão em Jerusalém por ocasião da pregação de Pedro e da descida do Espírito Santo em Jerusalém na festa do Pentecoste. Em Atos 2.10 existe a referência sobre cidadãos romanos que estavam residindo em Jerusalém por esta época e que se encontraram entre os convertidos – “romanos que aqui residem“. Evidentemente que foram cristãos comuns, gente simples, não apóstolos que levaram o evangelho para Roma, tanto que Ambrosiastro, falando sobre a participação laica no princípio da vida evangélica, diz que os “romanos haviam abraçado a fé em Cristo, embora de acordo com o rito judaico, sem ver nenhum sinal de obras poderosas e nenhum dos apóstolos[2].

Segundo F. F. Bruce “no segundo século a.C. existia uma comunidade judaica em Roma. Seu número cresceu bastante após Pompeu ter conquistado a Judéia em 63 a.C., quando muitos prisioneiros de guerra cooperam com sua marcha triunfal“. [3] Após isso, em 19 d.C, por decreto de Tibério, imperador de Roma, os judeus foram expulsos, mas em poucos anos voltaram em número muito grande; em Atos 18.2 fica explícita a expulsão dos judeus de Roma, em massa, pelo imperador Cláudio (50 d.C. ?). De acordo com o que parece, Áquila e Priscila faziam parte dos crentes de Roma e que já eram antes de encontrarem com o apóstolo em Corinto, por ocasião de sua expulsão por Cláudio de sua cidade.

Após a morte de Cláudio é que Paulo escreve aos cristãos em Roma (54 d.C. ?), e fala publicamente sobre sua fé e, em Romanos 11.18, lembra aos gentios que faziam parte da comunidade que a base da igreja em Roma era judaica e que mesmo que viessem a superá-los não deviam desprezar este começo.

Presumivelmente (os cristãos de Roma) os membros da Igreja eram cristãos que Paulo encontrara em outros lugares durante sua carreira apostólica e que nesse tempo residiam em Roma[4]. De acordo com o final de Romanos, nas saudações finais, a Igreja se reunia na casa de Priscila e Áquila, que provavelmente, após a morte de Cláudio, puderam voltar para sua residência.

Roma, que antes era um entreposto comercial, transforma-se numa urbe (núcleo urbano) ao ser colonizada e tomada no III século a.C. Com o passar dos tempos até a tomada de Roma pelos Visigodos em 414 d.C, a cidade passa por um processo de cristianização; cresce e floresce tanto como seu comércio, agricultura, atuação portuária e pesca podem lhe dar.

Por 55 a.C, o governo do Império era um Triunvirato, composto por César, Pompeu e Crasso – o que se encerra com a derrota de Crasso em 53 a.C, onde César e Pompeu, que restaram do Triunvirato se tornam inimigos até que César o vence numa guerra civil em 48 a.C. Bruto e Cássio assassinam seu irmão Júlio César a mando do Senado Romano, terminando com as ditaduras militares para fundar o Império Romano, com o primeiro Imperador Romano, César Augusto. Em 14 a.C, Tibério assume o lugar de César Augusto. Ficou paranóico governando boa parte de sua vida da Ilha de Capre, por procuração, e mandando matar parte do Senado e da sua família. Seu sucessor foi Calígula. Estas épocas são importantes para a formação de Roma – no período que seguiu, vemos o Império comandado por várias facções, e em algum momento foi feita a Pax Romana e entre 96 e 180 d.C é conhecido pelo período dos Bons Imperadores quando Roma atinge o seu clímax.

A religião em Roma era composta de várias coisas como o Culto Imperial (onde o imperador era em diversas situações venerado como um deus); a mitologia romana que é a apropriação da antiga mitologia grega, mudando-se apenas nomes; os ritos eram um sistema bastante desenvolvido, escolas de sacerdócio e grupos relacionados a deuses. Também apresentava um conjunto de mitos históricos acerca da fundação e glória de Roma envolvendo personagens humanos com ocasionais intervenções divinas.

Na Roma antiga, a adoção de rapazes era uma prática relativamente comum, particularmente entre a classe senatorial. A necessidade de um herdeiro, em contraponto às elevadas despesas que o sustento e educação dos filhos obrigavam, levava famílias da classe alta a tentarem ter pelo menos um filho, evitando, contudo, uma prole exagerada. A adoção aparecia como uma solução quase óbvia que, além do mais, permitia o estabelecimento e fortalecimento de laços entre famílias e o reforço de alianças políticas. Durante o Império Romano, este sistema de adoção serviu muitas vezes para permitir sucessões ao trono de forma pacífica, ao dar a possibilidade ao imperador de escolher o seu sucessor, ao assumi-lo como filho adotivo.

Roma tinha tradição em banhos públicos, de manhã para mulheres e à tarde para os homens, onde muitas das importantes coisas eram decididas, pactos de traição do governo e de senadores eram arquitetados.

Até o Edito de Milão em 313 d.C, as Catacumbas da cidade Romana eram o esconderijo para os cristãos. Uma das catacumbas mais famosas hoje conta com mais de 20 km de túneis que levam aos diversos túmulos e tem mais de cinco andares abaixo do solo. Era nesse lugar que a igreja romana se reunia para esconder-se da perseguição do governo e de outros grupos.

Os romanos tinham por língua natural e oficial o latim, do grupo de línguas indo-européias, porém nunca conseguiu sobrepor o grego que tinha um prestígio cultural mais forte; os documentos culturais, cartas e outros eram escritos em grego. O alfabeto grego derivou o alfabeto latino e gerou muita influência na língua e cultura da época – o grego contava com 3 mil anos de história e pela difusão feita a partir de Alexandre Magno e sendo muito usado em toda parte para doutrinação do cristianismo ele foi grandemente utilizado em todo o período inicial do cristianismo, tanto em Roma como em outras províncias.

Romanos é o Evangelho apresentado por Paulo. Portanto, é de maior importância para a teologia e pregação; fora isso, podemos pensar em Agostinho, no verão de 386 d.C., Lutero em novembro de 1515, João Wesley em 1738, Karl Barth em 1918 e tantos outros que tiveram a sua vida modificada pela leitura e estudo de Romanos, o que de fato influenciou toda a teologia de suas vidas e conseqüentemente a nossa própria teologia.

Guilherme Tyndale, em 1534, escreveu no prólogo da edição de seu Novo Testamento, em Inglês:

Visto que esta epístola é a principal e a mais excelente parte do Novo Testamento, e o mais puro euangelion, quer dizer, boas novas e aquilo que chamamos de Evangelho, como também luz e caminho que penetra o conjunto da escritura, creio que convém que todo cristão não somente a conheça de cor, mas também se exercite nela sempre e sem cessar, como se fosse o pão cotidiano da alma. Na verdade, ninguém pode lê-la demasiadas vezes nem estudá-la suficientemente bem. Sim, pois, quanto mais é estudada, mais fácil fica; quanto mais é meditada, mais agradável se torna, e quanto mais profundamente é pesquisada, mais coisas preciosas se encontram nela, tão grande é o tesouro de bens espirituais que nela jaz oculto.

Portanto, parece evidente que a intenção de Paulo era abranger resumidamente nesta epístola, de modo completo, todo o aprendizado do evangelho de Cristo, e preparar uma introdução ao Velho Testamento. Sim, pois, quem tem inteiramente no coração esta epístola, tem consigo luz e substância do Velho Testamento. Daí que todos os homens, sem exceção, se exercitem nela com diligência e a recordem noite e dia, até se familiarizarem com ela completamente“.

É próprio dizer, portanto, que a epístola de Paulo aos Romanos tem como principal ponto de influência o fato de ser uma carta tão abrangente, que além de introduzir o Antigo Testamento (moldando o pensamento de quem vai lê-lo após ler a carta!), traz consigo toda a carga genética do Evangelho, como boas novas e, por essa razão, percorre as áreas do conhecimento bíblico/teológico dando uma base muito forte e firme para todo e qualquer estudo teológico ou pregação expositiva da palavra de Deus.

“Romanos é a maior, mais rica e mais abrangente declaração da parte de Paulo sobre o evangelho. Suas declarações condensadas sobre verdade imensas são como molas retraídas – quando são liberadas, elas voam pela mente e pelo coração até encherem o horizonte do indivíduo e moldarem a sua vida. João Crisóstomo, o maior pregador do século V, pedia que Romanos lhe fosse lida em alta voz uma vez por semana. Agostinho, Lutero, Wesley e Barth, quatro figuras extremamente importantes para a nossa herança cristã, todos viram a firmeza da fé através do impacto de Romanos em suas vidas. Todos os reformadores viam Romanos como sendo a chave divina para o entendimento de todas as escrituras, já que Paulo une todos os grande temas da Bíblia – pecado, lei, julgamento, destino humano, fé, obras, graça, justificação, santificação, eleição, o plano da salvação, a obra de Cristo e do Espírito, a esperança cristã, a natureza e a vida da Igreja, o lugar do judeu e do não-judeu nos propósitos de Deus, a filosofia da Igreja e a história do mundo, o significado e a mensagem do Antigo Testamento, os deveres da cidadania cristão e os princípios de retidão e moralidade pessoal. Romanos nos abre uma perspectiva através da qual a paisagem completa da Bíblia pode ser vista e a revelação de como as partes se encaixam no todo se torna clara. O Estudo de Romanos é vitalmente necessário para a saúde e entendimento espiritual do cristão”. (Bíblia de Estudo de Genebra)

Estudaremos nos próximos artigos temas teológicos tratados em toda a epístola, trazendo para nosso contexto suas aplicações.

Deus nos abençoe!

Notas:

[1] Romanos – Introdução e Comentário – F F Bruce – pg 18 e 19

[2] Autoridad Clerical y Ordenacion Em La Iglesia Cristiana Primitiva – Daniel A Augsburger pg 45

[3] Romanos – Introdução e comentário – F F Bruce – pg 15

[4] Ibidem – pg 17