Jó nem mesmo teve tempo de exprimir sua dor, antes de ver a lepra em suas mãos, e os furúnculos em sua pele. Sua esposa, alma compassiva que era, aconselhou-o a amaldiçoar Deus e morrer. Seus quatros amigos vieram, com a delicadeza de uma britadeira, dizer-lhe que Deus é bom, e que o sofrimento é conseqüência do mal; e tão certo como dois mais dois são quatro, Jó deveria ter algum registro criminal em seu passado, para sofrer tanto.
Cada um deu sua própria interpretação de Deus, e falou – longa e sonoramente – sobre quem é Deus, e por que ele fizera tudo aquilo. Eles não eram os únicos falando sobre Deus. Quando seus acusadores faziam uma pausa, Jó dava-lhes uma resposta.
- Abriu Jó sua boca…(3.1).
Então, respondeu Elifaz, o temanita…(4.1).
Então Jó respondeu…(6.1).
Então respondeu Bildade, o suíta…(8.1).
Então, Jó respondeu e disse…(9.1).
Então respondeu Zofar, naamatita… (11.1).
Este pingue-pongue verbal continua por vinte e três capítulos. Finalmente, Jó tem o bastante destas “contestações”. Chega de bate-papo. É hora do tom fundamental do discurso. Ele agarra o microfone com uma mão, o púlpito com a outra, e vai em frente. Por seis capítulos, Jó dá a sua opinião sobre Deus. Desta vez, o capítulo registra: “E, prosseguindo Jó”, “E, prosseguindo Jó”, “E, prosseguindo Jó”. Ele define, explica e revisa Deus. Parece que Jó sabe mais sobre Deus do que Ele próprio!
Lemos trinta e sete capítulos do livro, antes que Deus limpe a garganta para falar. O capítulo trinta e oito começa com estas palavras: “Então, o Senhor respondeu a Jó.”
Se sua Bíblia é igual a minha, há um engano neste versículo. As palavras estão corretas, porém o impressor usa os tipos de tamanho errado. As palavras deveriam estar escritas assim:
- ENTÃO, O SENHOR RESPONDEU A JÓ!
Deus fala. Faces voltam-se ao céu. Ventos curvam as árvores. Vizinhos encolhem-se nos refúgios. Gatos apressam-se para o alto das árvores, e cachorros metem-se no mato. “Está ventando, meu bem. É melhor tirar a roupa do varal”. Deus mal abrira a boca, e Jó soube que deveria ter calado sua mágoa.
- Perguntar-te-ei, e tu, responde-me. Onde estavas tu quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência. Quem lhe pôs as medidas, se tu o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel sobre que estão fundadas as suas bases, ou quem assentou a sua pedra de esquina, quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus rejubilavam? (Jó 38.3-7).
Deus inunda o céu com perguntas. Jó compreende: Apenas Deus define Deus. Você precisa conhecer o alfabeto antes de poder ler. Deus conscientiza Jó: “Você não sabe nem o ABC do céu, quando mais o vocabulário”. Pela primeira vez Jó está quieto. Silenciado por uma torrente de indagações.
- Ou entraste tu até as origens do mar, ou passeaste no mais profundo do abismo, ou entraste tu até os tesouros da neve e viste os tesouros da saraiva…? Ou darás tu força ao cavalo, ou revestirás o seu pescoço de crinas? Ou espantá-lo-ás, como ao gafanhoto? Ou voa o gavião pela tua inteligência, estendendo as suas asas para o sul? (Jó 38.16,22 – 39.19,20,26)
Jó mal tem tempo de sacudir a cabeça diante de uma questão, antes que Deus faça a outra. A insinuação do Pai é clara: “Tão logo você seja capaz de lidar com assuntos tão simples como a quantidade das estrelas e o estiramento do pescoço da avestruz, teremos uma conversa sobre dor e sofrimento. Mas até então, podemos passar sem os seus comentários”.
Jó captou a mensagem? Penso que sim. Ouça-lhe a resposta: “Eis que sou vil; que te responderia eu? A minha mão ponho sobre minha boca”.
Note a mudança. Antes de ouvir Deus, Jó não podia falar o bastante. Após ouvi-lo, não pôde falar de jeito algum.
O silencio foi a única resposta apropriada. Houve uma ocasião na vida de Thomas Kempis, na qual também foi preciso fechar a boca. Ele havia escrito profusamente sobre o caráter de Deus. Porém um dia, Deus confrontou-o com tal graça divina que, a partir daquele momento, todas as palavras de Kempis “pareciam palha”. Ele pousou a caneta e nunca mais escreveu uma linha. Ele calou-se.
A palavra para tais momentos é reverência.
A sala para tais momentos é a capela.
A frase para a capela é “Santificado seja o teu nome”.
Um corte acima
Esta frase é uma petição, não uma declaração. Um pedido, não um anúncio. Santificado seja o teu nome. Entramos na capela e imploramos: “Seja santificado, Senhor. Faça o que for preciso para ser santificado em meu viver. Tome o lugar que lhe pertence por direito no trono. Seja exaltado. Seja magnificado. Seja glorificado. Tu és Senhor, e eu estarei calado”.
A palavra santificado vem da palavra santo, que significa “separado”. O termo remonta a uma antiga palavra que significa “cortar”. Ser santo, então, é ser cortado acima da norma, superior, extraordinário. (…) O Deus santo habita num plano diferente do restante de nós. Aquilo que nos amedronta, a Ele não mete medo. O que nos preocupa não preocupa a Ele.
Sou mais um marinheiro de água doce do que um lobo-do-mar, mas estive num barco suficiente para conhecer o segredo de como achar terra em uma tempestade… Você não visa outro barco. Você, certamente, não se concentra nas ondas. Você firma a vista em um objeto não afetado pelo vento – uma luz na costa – e segue reto em sua direção. A luz não é afetada pela tempestade.
Buscando a Deus na capela, você faz o mesmo. Quando você firma a vista em nosso Deus, está focalizando alguém “um corte acima” daquilo que quaisquer tempestade na vida possam trazer.
Como Jó, você acha paz no sofrimento.
Como Jó, você fecha a boca e fica em silêncio.
“Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Sl 46.10). Este versículo contém uma ordem como promessa.
A ordem?
Aquiete-se.
Feche a boca.
Dobre os joelhos.
A promessa? Você saberá que eu sou Deus.
O navio da fé viaja sobre as águas. O crente passeia nas asas da espera.
Demore-se na capela. Demore-se muitas vezes na capela. Em meio às suas tempestades diárias, faça questão de aquietar-se, e fite os olhos nEle. Deixe Deus ser Deus. Deixe que Ele o banhe em sua glória, para que sua respiração e seus problemas sejam sugados de sua alma. Esteja em silêncio. Esteja quieto. Esteja ciente e disposto. Então você saberá que Deus é Deus; você não pode ajudar, mas confessar: “Santificado seja o teu nome”.
Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques
Texto original extraído com permissão do site www.maxlucado.com