O mal na mídia

Teologia para entendimento e prática de uma evangelização integral, contextual e transformadora (6)

O mal na mídia – comprometidos com uma teologia midiática cristã

Leia também:

  1. Introdução

  2. O mal na poítica
  3. O mal na cultura social

  4. O mal na religiosidade

  5. O mal na economia

Para início de conversa a definição de mídia precisa passar pela análise do seu contexto lexicográfico – a palavra vem do Latin mediun’ (‘meio’) e o seu plural é ‘media’ – essa é uma referência, inda que não completa, à toda indústria que trabalha com a comunicação – empresas, tecnologias, trabalhadores, produtos e resultados desta indústria. O conceito geral é designar mídia como os meios de comunicação de massa. Santaella diz que “a interatividade das mídias e a transformação possível da tela da TV em tela informática, entre outros fatores, tendem, cada vez mais, a tornar a cultura de massa uma entre outras” (1992, p. 8).

Esta ‘cultura de massa’ fornece as lentes através das quais olhamos o mundo e o definimos, por isso cada um de nós assimila um tipo de comportamento e outros não – porque temos uma visão (cosmovisão) diferente de outros do mundo social que nos cerca. É a linguagem que transita entre a coisa em si e o modo (ou maneira) de pensar e agir – ou seja, nossas práticas sociais são moldadas pela cultura de massa e apreendida através da linguagem comunicativa.

A indústria cultural (ou da comunicação) alimenta a sociedade (massa) com filmes, músicas (dentre outras manifestações) com informação homogênea e esta massificação tende a impedir o desenvolvimento do pensamento crítico (das condições reais da existência do ser humano), não alienado. O senso comum é afetado sendo possível apenas sair desta massificação se o deixarmos para um desenvolvimento do espírito crítico.

Qualquer comunicação ou linguagem traz consigo uma ideologia, assim como afirma Santaella e essa ideologia, quer se queira ou não traz consigo uma estrutura, uma imagem diferente da realidade a que se refere. Vejamos:

      Toda linguagem é ideológica porque, ao refletir a realidade, ela necessariamente a refrata. Há sempre, queira-se ou não, uma transfiguração, uma obliqüidade da linguagem em relação àquilo a que ela se refere. Por ser da própria natureza, de mediadora entre nós e o mundo, a linguagem apresenta sempre, inelutavelmente, um descompasso em relação à realidade. Ela não é, nem pode ser a realidade. A essa diferença substantiva entre a linguagem e o real acrescentam-se as diferenças adjetivas, quer dizer, as variações próprias às posições históricas e sociais dos agentes que a produzem e consomem. (1996, p. 330-331)

Assim sendo, entendemos que a mídia (ou meio) utiliza-se da comunicação para formatar uma maneira homogênea de pensamento em meio ao corpo social e a comunicação via TV é a que mais tem trazido impacto em nossa sociedade gravemente simbólica. Sobre isso, Belloni diz:

      As crianças e os adolescentes nas sociedades contemporâneas aprendem mais como a televisão do que com os pais e professores? Como caracterizar este mais? Mais informações, mais conhecimentos pontuais? Modelos de comportamento, opiniões políticas? Possibilidades de desenvolver sua sensibilidade? A televisão oferece tudo isso e muito mais. A televisão, ao pretender reproduzir o universo real em sua complexidade, constrói um simulacro do mundo em que o indivíduo acaba se encontrando, assumindo as imagens produzidas como se fosse sua vida real. E estas imagens penetram a realidade, transformado-a, dando-lhe forma. (2001, p. 57).

Assumimos aqui então esta condição da transmídia (relacionamento com mais de um ‘meio’ como forma de interação com o objeto ‘anunciado’ – seja um filme ou outra coisa qualquer, onde o papel impresso, a mídia eletrônica e a web, por exemplo) como sendo o objetivo de nosso estudo, pois esta interação entre as mídias possíveis configuram-se no ‘meio’ de transformação social.

A mídia é orientada para o negócio, ou seja, o dinheiro, fama e status é o que conduz as escolhas e demonstrações, exposições e omissões. É preciso analisar isso de forma mais adequada em nosso contexto brasileiro, vejamos:

Ronaldo Lidório faz uma grande observação para aqueles que querem entender um pouco mais a cultura brasileira ao dizer que:

      Devido ao longo processo de miscigenação entre segmentos culturais que valorizam e utilizam o simbolismo para transmitir valores e construir a identidade grupal nos tornamos uma sociedade gravemente simbólica e contadora de histórias. Apesar do uso proporcional do hemisfério esquerdo, mais analítico, do cérebro, o homem brasileiro se comunica amplamente utilizando seu hemisfério direito, global, através de histórias contadas e vividas. O ensino conceitual, de desenvolvimento e exposição de valores, dissociado de uma abordagem simbólica, cultivará resultados pífios na população geral. Observo que o processo educacional no indivíduo, quando prolongado, pode atenuar esta característica e assim quanto menos escolarizado for o segmento social brasileiro mais simbólico ele tende a ser. Isto se explica pela moldura analítica da educação formal brasileira. Não é por acaso que as novelas, mini-séries e contos fazem extremo sucesso e transmitem ensino (seja ele qual for) à nossa população. Não é também por acaso que professores mais bem sucedidos são aqueles que utilizam simbolismo (histórias, ilustrações, associações com a vida diária) para se comunicar. Da mesma forma os pregadores que mais interagem com o público utilizam um expediente freqüentemente simbólico nas explicações das Escrituras, facilitando a compreensão do valor, do conceito, bem como sua aplicação. Sociedades com forte presença de simbolismo dificilmente observam um valor a partir dele mesmo, mas sim a partir dos fatos da vida. Em qualquer projeto de comunicação, sobretudo para a parcela da população brasileira menos influenciada pelo intelectualismo resultante da educação formal prolongada, é necessária e saudável a utilização intencional de simbolismo. Se desejarmos comunicar bem e de maneira marcante precisamos nos tornar contadores de histórias. Em uma sociedade judaica altamente marcada pelo simbolismo Jesus utilizou tal expediente para uma perfeita comunicação. Falou sobre valores e verdades profundas e complexas como o Reino, Salvação, Soberania, Céu e Inferno. Porém o fez de forma compreensível através de parábolas, comparações com a vida diária, utilizou elementos com os quais lidavam no dia a dia como a lamparina, o sal, o peixe e o trigo. Sua intenção, porém, não era apenas comunicar a um grupo em sua geração, mas dar a este grupo ferramentas para que pudesse comunicar tais verdades a outros grupos, fora daquele círculo geográfico e de geração em geração (Ubanos: pesquisa sócio cultural – não publicada – 2009).

Assim, em nosso país, a mídia descobriu estes detalhes fortes em nossa cultura e utiliza-se cada vez mais de narrativas para criar histórias, consumo e mudar conceitos relevantes em nossa vida e estes conceitos estão presentes em muitas coisas que vemos ou mesmo não entendemos. Perguntando uma certa vez para uma pessoal envolvida com marketing porque os outdoors de roupas feitas com jeans geralmente tem pessoas nuas, vestidas muitas vezes apenas com uma peça de roupas ela me respondeu prontamente: as marcas querem criar conceitos ou mesmo mudá-los. A pouca roupa, por exemplo, pode simbolizar uma mudança nos valores a respeito do sexo, do pudor, da moralidade dentre outras coisas e isso parece produzir efeito duradouro quando é transmitido através de uma narrativa e esta pode ser através de uma história sendo contada numa propaganda, num filme, numa novela, num livro, num conto ou mesmo inserido dentro de outra história com o intuito de tornar comum aquele princípio, aquela abordagem.

Ela, a mídia, tem um papel importante na formação do povo brasileiro, que facilmente aprende com estas narrativas. A condução das tramas é um legado da audiência, onde se põe e se dispõe de maneira direcionada, pela oscilação de público. A condução das ideologias se torna uma ferramenta de controle vital e aumento e disseminação de uma sensualidade exageradamente aberta, além de que tudo parece favorecer o rico, o poderoso.

A mídia não é um demônio, mas é constantemente demonizada e tem o intuito de moldar o pensamento para gerar um estimulo que leve ao consumo, a libertinagem, a necessidades que nem sonhávamos ter e soluções para estas que foram criadas.

Antes, porém, de empreendermos uma leitura cultural da vida a partir dos olhos dos outros é necessário lermos o mundo que nos cerca e isso se dará a partir da construção das narrativas próprias – assim nos tornamos autores de nossa vida e caminhada.

O ser humano que vive urbanizado tem cada vez mais a tendência de não desenvolver este seu espírito crítico, não quer na grande maioria das vezes sair de sua alienação produzida pelo ideal, provocado pela cultura de massa que despersonifica o cidadão.

A cidade, cada vez mais, parece ser o palco das grandes mudanças que ocorrem em nossa sociedade e é na cidade que o poder da mídia é mais fortemente utilizado; parece que estamos dentro de uma redoma e que tudo o que fazemos é guiado por um diretor com o objetivo de gerar consumo, não somente de bens, mas também de modo de vida; há um poder na mídia que auxilia o ser humano a mudar sua cultura de forma muito rápida e assimilar novos conceitos e maneiras de enxergar e interpretar as situações de vivência em grupo – há uma nova hermenêutica em nosso meio e essa nova maneira de interpretar a vida não enxerga mais verdades de maneira absoluta, mas tende a partir e repartir os fatos em pequenos fragmentos para analisá-los isoladamente para chegar-se a um todo, mesmo que muitos destes fatos sejam contraditórios e mudem a conceituação das verdades analisadas.

Viver na cidade em missão é saber que todo este contexto não é somente importante, mas tremendamente influenciador do modo de viver do ser humano urbano e devemos aprender a sermos contadores de história, narrativas vívidas que transmitam vida. Fazer como Jesus, usar as parábolas, as histórias, nas narrativas, para transmitir vida e vida em abundância, modificando status de pessoas e dando um re-significado à muitas vidas que se sentem perdidas, como ovelhas sem pastor.

Ser um agente de transformação na cidade é também saber utilizar as maneiras comunicativas que aprofundam as verdades do reino nos corações de homens e mulheres, jovens e idosos, ricos ou pobres que seguem caminhando com um vazio do tamanho de Deus dentro do peito.

Leia agora a Parte 7