O mal na educação

Teologia para entendimento e prática de uma evangelização integral, contextual e transformadora (7)

O mal na educação – comprometidos com uma teologia prática da educação cristã

Leia também:

  1. Introdução

  2. O mal na poítica
  3. O mal na cultura social

  4. O mal na religiosidade

  5. O mal na economia

  6. O mal na mídia

Vivemos em um tempo onde os questionamentos quanto às estruturas eclesiásticas e ‘para-eclesiásticas’ tendem serem mais ácidos, mais críticos na sua base e menos esclarecedores. De um lado uma igreja que não se cansa de ‘inovar’ e de outro, escolas de teologia muitas vezes tão herméticas e conservadoras que não respondem às indagações que a igreja faz.

A igreja pode fazer perguntas que questionem a validade de vários cursos de teologia ao mesmo tempo em que os cursos de teologia podem indagar sobre as práticas de diversos seguimentos eclesiásticos.

O Prof. Antonio Carlos Barro, em uma das reuniões pedagógicas da Faculdade Teológica Sul Americana (Londrina, PR) alerta ao afirmar que a igreja faz uma pergunta séria às escolas de teologia, que é: nós realmente precisamos de vocês? Isto deve motivar não somente a responder a pergunta, mas a fazer uma análise profunda do que tem sido a prática de educação no contexto acadêmico que estamos inseridos – deve gerar mais perguntas e uma delas é sobre a relevância da teologia e da missiologia para a igreja hoje, pois é para isso que as escolas de formação cristã foram criadas, ou seja, os seminários, as escolas de teologia e missiologia têm o seu sentido na clara percepção de ajudar a igreja no entendimento da sua missão e como cumpri-la com eficiência, eficácia e de maneira que glorifique o nome de Deus estabelecendo um currículo cristão que abranja tanto o entendimento do céu como fale das necessidades da terra.

Parar para analisar esta relação entre igreja e educação cristã é temerário, mas necessário. Há alguns perigos existentes nesse processo em que a educação cristã não responde mais aos anseios e necessidades contextuais e a igreja segue sua própria agenda, muitas vezes desprovidas de motivações bíblicas e não motivados na glória de Deus, mas para a glória da igreja; não para alcançar as pessoas com o amor de Cristo, mas para fortalecer a denominação; não para exaltar Jesus, mas para exaltar os seus líderes – e as escolas de educação cristã, que podem ajudar a transformar esta visão se tornam nulas na influência por um distanciamento causado por uma visão ácida e crítica que não constrói pontes, mas barreiras.

Ronaldo Lidório afirma em seu livro Plantando Igreja o seguinte: “Inquieto-me ao ver uma atual verdade nas antigas palavras de Cirenius, teólogo bizantino, quando afirmou que a Igreja sofrera (já naquela época!) a tentação de desenvolver a sua personalidade e perder a sua finalidade” (2008, p. 36).

A finalidade última da educação cristã e como tal, da igreja é obedecer e glorificar ao Cordeiro, todavia o sentido se perde em meio a tantas agendas, dentro de tantos interesses e preocupações, assim o mal penetra sorrateiramente transformando a educação cristã em mera filosofia educacional secularizada que traduz um racionalismo científico que busca um sucesso individualista favorecendo o secularismo, a decepção e o desprezo pelo que é comunitário trocando tudo por um corporativismo que favorece o rico, o influente, o tirano.

Edson Martins (2004, p. 51), escrevendo sobre uma educação teológica transformadora estabelece a diferença entre um currículo entrópico que visa uma formação direcionada, por exemplo, num seminário teológico onde se enfoca a formação do pastor e um currículo sinérgico que tem uma abrangência mais diversificada como fica bem explicada no quadro comparativo abaixo:

Currículos entrópicos

Currículos sinérgicos

Enfatizam apenas uma dimensão da formação do aluno. Ex.: prática, ou teórica, etc

Enfatizam a formação diversificada do aluno conforme suas demandas vocacionais

São confrontados com uma realidade mais ampla, mais complexa e diversificada

Entendem que a realidade mais ampla é ingrediente normalmente esperado no sistema

O contexto não pode influenciar o sistema educacional…

Preparados para as alterações (demandas e ameaças) do contexto

Possuem estrutura curricular fechada, isolada do contexto maior

Possuem arquitetura sistêmica aberta, sempre atenta às demandas do mundo exterior

Têm menor comunicação e troca de informações com o ambiente

São capazes de se comunicar tanto com o seu público interno (professores, denominação), quanto com o externo (igrejas, sociedade)

“Aquilo que não compreende não existe” – mito do avestruz

Aquilo que não se compreende é objeto de pesquisa e reflexão

Geram “produto final” fechado

São flexíveis, dinâmicos e equilibrados

Possuem ciclo vicioso: currículos e escolas entrópicas conduzem o processo a níveis mais altos de entropia e desagregação

Formação adequada, equilibrada e sinérgica

Conseguem sobreviver apenas em regime de monopólio ou cartelização

Desenvolvem um ambiente participativo

Durante dois anos, em reuniões pedagógicas na FTSA conjuntamente construímos um perfil de educação para os alunos do curso de Graduação em Teologia, pensando neste currículo mais sinérgico e chegamos a algumas conclusões:

1. Uma educação cristã que não se denigre com a estrutura do mal, mas luta e reluta contra a padronização de seus objetivos deverá ser capaz de ensinar as pessoas a ler e compreender textos, mas também a sua realidade, o seu contexto pessoal, suas realidades, anseios e necessidades.

2. Alguém impactado por uma educação cristã deve ser capaz de problematizar, conseguir elaborar questionamentos relevantes e dialogar com diversos pensamentos numa leitura de textos e da realidade que vê, julga e age.

3. Alguém impactado por uma educação cristã deve ser capaz de comunicar verbalmente a mensagem cristã, mas também vivê-la, compartilhar dela em seu contexto de vida.

4. Alguém impactado por uma educação cristã deve ser capaz de lidar com os diversos recursos, tanto humanos (liderança, equipes, voluntariado etc.) como recursos financeiros, materiais, logísticos, estratégicos etc.

5. Alguém impactado por uma educação cristã deve ser capaz de produzir textos ou discursos ou falas com argumentação, fundamentação em diálogo com diferentes fontes do saber, relevantes para o seu contexto analisando as expressões culturais próprias da sua realidade como músicas, clipes, filmes, obras de arte etc.

6. Alguém impactado por uma educação cristã deve ser capaz de lidar e relacionar-se de forma cristã e ética com pessoas e instituições, discernindo comportamentos, personalidades, limitações e necessidades transformando-se não em mero defensor estéril de uma ética teórica, mas de um ardoroso e vivo praticante do princípio cristão da valorização do outro.

7. Alguém impactado por uma educação cristã deve ser capaz de pastorear, aconselhar, mentorear outros os conduzindo a uma maturidade e crescimento pessoais.

8. Alguém impactado por uma educação cristã deve ser capaz de desenvolver ministérios missionais em contextos locais e transculturais.

Vygotsky, o pai do sócio construtivismo adquire muita importância entre aqueles que fazem a educação cristã ao afirmar que:

… aprendizagem não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas (1991, p. 101).

Uma teologia prática da educação cristã deve assumir a prerrogativa de ser desenvolvedora, integral, contextual e transformadora por meio do serviço (diakonia) em que se cuide um processo duradouro do vir a ser, ou seja, é necessário entender que estamos sempre entre o ‘já’ (o tempo, necessidades e realidade presentes no dia a dia – pelo imanente) e o ‘ainda não’, aquele brilho escatológico premente da transcendência.

A educação cristã transforma precisa nos ajudar a aprender, todavia não somente aprender teoricamente, academicamente, mas sobre tudo aprender a ser. Libanio afirma que esta é uma tarefa extremamente difícil:

Aprender a ser. A mais difícil tarefa educativa. Implica uma concepção integral do ser humano e desenvolver-lhe todas as dimensões. Deve-se evitar os unilateralismos do intelectualismo ou do emocionalismo, do pragmatismo ou do espiritualismo, do ativismo ou do contemplacionismo. Aprender a ser implica, pois, uma compreensão ampla equilibrada e relacional do ser humano, para viver na realidade atual e ser capaz de imaginar realidades futuras. A verdade e a veracidade do próprio se constrói numa relação de liberdade diante da onda consumista de bens. O ter ameaça hoje o ser. Importa ser na verdade de si, autenticamente, sem prender-se e esconder-se no ter (2002, p. 106-7).

Agir missionariamente no contexto da nossa missão também é deixar que a educação cristã perpasse todas as nossas palavras e ações, bem como sentimentos e emoções para que Deus seja glorificado e o outro, em diakonia seja cuidado, amparado, formado, edificado e participe do desenvolvimento de si mesmo e de seu contexto.

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