O mal na família

Teologia para entendimento e prática de uma evangelização integral, contextual e transformadora (10)

O mal na família – comprometidos com uma teologia para a transformação da família

Leia também:

  1. Introdução

  2. O mal na poítica
  3. O mal na cultura social

  4. O mal na religiosidade

  5. O mal na economia

  6. O mal na mídia

  7. O mal na educação

  8. O mal na ecologia

  9. O mal na personalidade humana



A banalidade dos relacionamentos em nosso tempo é fruto direto da convivência familiar (ou da falta dela, na maioria das vezes) que se instalou no ser humano em tempos em que a individualidade conta mais – este é um fator de liberdade anunciada por muitos, a independência sexual, emocional, financeira etc. O modelo tradicional de família que temos também não é ideal, onde enxergamos muitas doenças produzidas pelo padrão familiar – preconceito, subjugação, violências (físicas, psicológicas, sexuais etc), modelo este criado para perpetuação do status de dominação de séculos e séculos.

Em meio à igreja cremos numa teologia familiar que não satisfaz mais aos anseios dos casais e famílias. O homem (marido) é o responsável pelo seu lar e, portanto provedor e sacerdote do lar. Ele (o marido) é quem tem a conexão com Deus sendo o cabeça tem o poder de decisão, de controle, precisa ser obedecido e sua vontade prevalece sobre os demais membros da família. É ele quem deve levar a mulher e filhos até Deus; ele é quem deve providenciar o crescimento espiritual deles; ele é quem tem a prerrogativa de ser o mediador entre a mulher/filhos e Deus.

O mais estranho em tudo isso é que o sacerdote é que fazia a mediação entre os seres humanos e Deus e quando Cristo morreu na cruz, o véu do Santo dos Santos no templo de Jerusalém rasgou-se de alto para baixo, numa clara demonstração de que agora, a partir de Jesus não há mais sacerdotes que façam este papel de mediadores entre o ser humano e Deus – apenas Jesus! E isso aponta diretamente para o papel do sacerdócio universal falado por Lutero onde todo ser humano – homem, mulher, criança, idoso, jovem etc – tem um contato direto com Deus sem necessidades de intermediadores. Se notar bem, na figura, o ‘homem’ toma o lugar de Cristo na família… ele, o ‘homem’ é o sacerdote do seu lar, seu mediador, através de quem a família é abençoada. Isso deveria soar no mínimo estranho aos nossos ouvidos.

Esta construção familiar contradiz a realidade em que Paulo argumenta em Gálatas 3.28, onde diz: “Desse modo não existe diferença entre judeus e não-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus”.

Em Cristo o núcleo familiar não se dissolve, mas passa a ter uma configuração onde Jesus assume o papel de mediador entre Deus e o ser humano (marido, mulher e filhos) e todos estão em pé de igualdade diante do Senhor, não havendo nenhuma construção binária hierárquica nesse organismo.

A vida urbana afeta a maneira como os relacionamentos se desenvolvem e não seria diferente na família. O trabalho, o deslocamento, as atividades meio e as atividades extra corroem o diálogo na família. Os grandes centros colocam o ser humano no vértice de um vendaval que o leva para muitos lugares úteis e alguns desnecessários, tirando-nos do convívio mais simples com a família.

Filhos, crianças e adolescentes são entregues para educação por profissionais pagos (às vezes mal pagos!) e dando aquilo que tem, que é infinitamente menor do que ele ou ela receberia dos pais, com um pouco mais de investimento, de tempo, de cuidado.

A convivência com as perdas, as mortes assistidas e desassistidas de pessoas de perto e de longe, na TV e ao vivo em cores bem vermelhas do sangue que inunda nossos pensamentos e ações, causam um grande estrago na estrutura familiar, dando-nos a noção errada de que a história e a vida das pessoas estão fora de controle.

A sexualidade na família é algo muitas vezes constrangedor, não somente do ponto de vista do relacionamento sexual entre marido e mulher, mas também na falta de conversa e orientação entre pais e filhos, algumas vezes o abuso vem e desregradamente usa-se o sexo de qualquer jeito, dentro e fora do relacionamento, seu cuidado e as doenças sexualmente transmissíveis avassalam as estruturas e solapam o direito dos que, sem terem praticado, sofram as conseqüências do sexo ‘inseguro’. O número cada vez maior de adolescentes que engravidam mostra o despreparo dos pais ante a sexualidade dos filhos e filhas e até mesmo à desatenção para com o tema no diálogo em casa (quando se tem!).

Jovens e adolescentes não recebem orientação profissional adequada e o ganhar dinheiro é o único objetivo que têm – junto com o fator econômico, o educacional interfere nesse processo abrindo ou fechando portas para estes jovens que sonham melhorar de vida.

A mesma falta de diálogo não provoca, mas abre a guarda para as drogas e seus descaminhos – violência, crime, descaracterização da vida do ser humano, decadência, péssima condição de saúde e conseqüentemente a morte. Sei que o diálogo não resolve tudo isso, mas é o único caminho para que pais e mães percebam seus filhos, os oriente e conduza-os no caminho para ser pessoas com um padrão elevado de caráter.

Em 2002, uma conferência portuguesa emitiu o seguinte parecer:

“A família é o terreno mais disputado entre a tradição e a modernidade. As actuais circunstâncias da vida transformaram profundamente as relações familiares, envolvendo a própria concepção da família. O conceito de família está profundamente alterado e a sua desagregação real, agravada pelo desleixo, diminui fortemente a interacção entre os seus membros e a sua capacidade educativa. Entretanto, a família deve ser o habitat natural da vida humana, na sua génese e no seu desenvolvimento, embora muitas circunstâncias dificultem o seu papel” (2002, nota 17).

A questão do desemprego, divórcio, fome, miséria, violência urbana, falta de diálogo etc, são sintomas que nos remetem para ‘famílias disfuncionais’, onde ocorreu o bloqueio do processo de comunicação familiar e a possibilidade de mudança é remota, já que o padrão de tratamento entre os membros da família assumem valores rígidos e não estão abertos à mudanças.

Agir em diakonia para com famílias é cuidar para que estas doenças sejam tratadas, pessoas cuidadas, confortadas, restauradas e sobretudo é oferecer a esperança que somente Deus em seu Reino pode oferecer.

Leia agora a Parte 11 (Final)