A Paixão de Cristo II

Amigos, o discernimento é uma arte, quase um dom. Aos filhos de Deus, habitados pelo Espírito Santo, é dada a capacidade de ler as entrelinhas, de conseguir notar os detalhes que a maioria despercebe. Quando você conhece as Escrituras, que são lâmpada para os pés e luz para o caminho, fica mais fácil evitar tropeçar ou cair. Temos um guia seguro. Não é preciso usar qualquer método empírico ou experimental. Podemos ficar firmes naquilo que está escrito. Se não fosse assim, cada um poderia se basear no que “acha” ou no que “sente no coração” e isto nos exporia a uma confusão da qual não conseguiríamos jamais nos livrar.

Dentro deste contexto, é importante a gente ressaltar que o erro quando apresentado juntamente com a verdade, fica mais difícil de ser detectado. E pior: quando a mentira se mistura à verdade, é a mentira que é ressaltada. Daí a necessidade de um senso crítico aguçado, conforme a Bíblia manda: observar todas as coisas e reter o que é bom.

Tendo dito isto, podemos fazer uma análise de “A Paixão de Cristo” sob um ponto de vista teológico. É um filme fiel à narrativa bíblica? Será que as cenas acrescentadas ao relato bíblico são inocentes? De alguma maneira, dar asas à imaginação não é o que fazem os pregadores quando re-contam às suas congregações o que acabaram de ler?

Sim e não. Todas as tomadas, de todos os filmes são, em alguma medida, fruto da imaginação de quem as produziu. Afinal, não houve qualquer registro visual dos tempos bíblicos. Nem sequer uma pintura ou gravura. Qualquer representação audiovisual terá que necessariamente ser feita com base na interpretação que cada um dá a uma cena em particular. Por exemplo, qual o tom de voz que Jesus usava em seus discursos? Seria um tom inflamado como o dos políticos em campanha ou um tom calmo, como o dos monges? Ele gesticulava muito ou ficava imóvel enquanto falava? Nunca saberemos. Quando lemos os relatos dos evangelhos de cima de um púlpito, podemos errar. A leitura de um texto é uma interpretação, e pode ser mal feita também. Sem dúvida.

Creio também que existe uma margem a ser usada pela nossa imaginação. Por exemplo, quem nunca imaginou como foi a infância do Senhor Jesus? Quem nunca se emocionou ao pensar no fato de que o Criador dos céus e da terra, o Controlador da Lei da Gravidade um dia foi um menino como nós, que caía e ralava o joelho nos pedregulhos? Como não podemos pensar em suas mãos calejadas no trabalho duro da carpintaria do seu pai José? Não há heresia em pensar ou retratar este tipo de coisa. Nem é preciso enveredar no estranho caminho de alguém que ouvi certa vez (isso é fato real, acredite!) dizendo que o cristão não deve ficar fazendo brincadeiras nem dar muita risada, porque não existe nenhum versículo na Bíblia que diz que Jesus ou os discípulos davam risada. Ora, também não se diz que eles iam ao banheiro e nem por isso você vai concluir que Pedro e João tinham prisão de ventre! É óbvio que o Espírito Santo guiou os escritores sagrados para registrar os fatos mais relevantes.

Porém, há que se tomar cuidado com um outro lado. Nossa imaginação não pode estar a serviço de descaracterizar a mensagem central das Escrituras, notadamente quando isso se referir à Pessoa de Cristo, seu Personagem por excelência. Também não se pode incluir em qualquer roteiro ou mensagem qualquer mensagem, insinuada ou explícita, que se coloque contra o ensino bíblico, em qualquer assunto que seja. Para os cristãos, o brado da reforma SOLA SCRIPTURA(*) deve continuar ecoando. A Bíblia, e não qualquer tradição, dogma ou concílio religioso, é a nossa única regra de fé e prática. E é com ela aberta que devemos analisar, com sinceridade, qualquer assunto de natureza espiritual.

Tendo tudo isso em mente, analise algumas cenas e detalhes do filme de Mel Gibson. Acho difícil que a gente chegue a conclusões muito animadoras ou empolgadas sobre o conjunto da obra.

No próximo capítulo, vamos tentar dar um “zoom” em algumas cenas, usando a Bíblia como lente da verdade.

A Paixão de Cristo I

A Paixão de Cristo III
A Paixão de Cristo IV

Pensando bem:

(*) SOLA SCRIPTURA, expressão latina de fácil compreensão para quem fala português (Somente a Escritura), foi o lema da reforma protestante, que reivindicava a autoridade da Bíblia acima de qualquer tradição ou convenção humana, ainda que com autoridade religiosa.