Bordas e sussurros

“E isso tudo é apenas a borda de suas obras! Um suave sussurro é o que ouvimos dele” (Jó 26:14).

Há poucas noites atrás, uma coisa peculiar aconteceu.

Uma tempestade elétrica causou um apagão em nossa vizinhança. Quando as luzes apagaram, eu fui na escuridão para o quartinho onde nós guardamos as velas para as noites como esta. Através do brilho de um palito de fósforo aceso, olhei na prateleira onde as velas ficavam armazenadas. Lá estavam elas, já posicionadas em suas estantes, derretidas em diversos níveis por usos anteriores. Peguei meu fósforo e acendi quatro delas.

Como elas iluminaram o quartinho! O que era um véu de escuridão de repente radiou uma luz dourada e suave! Eu pude ver o refrigerador no qual eu bati meu joelho. E pude ver minhas ferramentas que precisavam ser consertadas.

“Como é bom ter luz!” eu disse em alta voz, e depois falei para as velas. “Se vocês fazem um bom trabalho aqui no quartinho, esperem até eu levá-las para fora onde vocês são realmente necessárias! Vou colocar uma de vocês em cima da mesa para que possamos comer. Vou colocar uma de vocês na minha escrivaninha para que eu possa ler. Vou dar uma de vocês para Denalyn para que ela consiga bordar ponto-cruz. E eu vou colocar você,” peguei a maior de todas, “na sala de estar onde vai poder iluminar a área toda.” (Eu me senti um pouco tolo por falar com as velas – mas o que você faz quando as luzes se apagam?)

Eu estava me virando para sair com a vela maior ma mão quando ouvi uma voz, “Pare bem aí, agora.”

Parei, Alguém está aqui! Pensei. Então me acalmei. É só a Denalyn, caçoando de mim por falar com as velas.

“Ok, querida, pare com a brincadeira.” Eu disse na penumbra. Sem resposta. Hmm, talvez tenha sido o vento. Dei outro passo.

“Pare, eu disse!” Era aquela voz. Minhas mãos começaram a suar.

“Quem disse isso?”

“Eu disse.” A voz estava perto da minha mão.

“Quem é você? O que é você?”

“Eu sou a vela.” Olhei para a vela que estava segurando. Ela estava queimando com uma chama dourada e forte. Era vermelha e estava em um candelabro de madeira pesado que tinha uma asa firme.

Olhei em volta mais uma vez para var se a voz poderia estar vindo de alguma outra fonte. “Não há ninguém aqui além de mim, você e o resto de nós velas,” a voz me informou.

Eu levantei a vela para olhar mais detalhadamente. Você não vai acreditar o que eu vi. Havia uma pequenina cara na cera. (Eu disse que vocês não iriam acreditar em mim). Não só uma cara de cera que alguém havia esculpido, mas uma cara como se fosse de carne, que funciona, se move e cheia de expressão e vida.

“Não me tire daqui!”

“O que?”

“Eu disse não me tire desta sala.”

“O que você quer dizer? Eu tenho que te levar para fora. Você é uma vela. Seu trabalho é fornecer luz. Lá está escuro. As pessoas estão tropeçando e dando topadas nas paredes. Você tem que sair e iluminar o lugar!”

“Mas você não pode me levar para fora. Não estou pronta,” a vela explicou com olhos suplicantes. “Eu preciso de mais preparo.”

Eu não podia acreditar nos meus ouvidos. “Mais preparo?”

“Sim, decidi que preciso pesquisar sobre este trabalho de iluminar, então não vou sair e cometer um monte de erros. Você ficaria surpreso como pode ser o brilho de uma vela destreinada. Então estou estudando. Agora mesmo terminei um livro sobre a resistência do vento. Estou no meio de uma ótima série de fitas sobre construção e conservação de pavio – e estou lendo o novo bestseller sobre exposição de chama. Você ouviu falar dele?”

“Não,” eu respondi.

“Talvez você goste dele. Ele chama Fazendo Cera Eloqüentemente.”

“Isso realmente soa inter – “ eu me detive. O que estou fazendo? Estou aqui conversando com uma vela enquanto minha esposa e minhas filhas estão lá na escuridão!

“Então está certo,” eu disse. “Você não é a única vela na prateleira. Vou apagá-la e pegar as outras!”

Mas assim que enchi minhas bochechas de ar, ouvi outras vozes.

“Nós também não vamos!”

Era uma conspiração. Eu me virei e olhei para as outras três velas, cada uma com chamas dançantes sobre uma cara em miniatura.

Era mais do que se sentir embaraçado por conversar com velas. Eu estava ficando enervado.

“Vocês são velas e seu trabalho é iluminar lugares escuros!”

“Bem, isso pode ser o que você pensa,” disse a vela que estava mais à esquerda – um camarada magro e comprido com uma barba que lembra a de uma cabra e um sotaque britânico, “Você pode achar que devemos ir, mas estou ocupado.”

“Ocupado?”

“Sim, estou meditando.”

“O que? Uma vela que medita?”

“Sim, estou meditando na importância da luz. É realmente esclarecedor.”

Eu decidi argumentar com elas. “Ouçam, eu agradeço o que vocês estão fazendo. Eu sou a favor de tempo para meditação. E todos precisam estudar e pesquisar; mas pelo amor de Deus, vocês estão aqui há semanas! Vocês não tiveram tempo suficiente para por o seu pavio em ordem?”

“E vocês duas,” eu perguntei para as outras, “vão ficar aqui também?”

Uma vela roxa, gorda e baixa com bochechas roliças que me lembravam o Papai Noel disse em alta voz. “Estou esperando arrumar minha vida. Não estou estável o suficiente. Eu perco minha paciência com facilidade. Aposto que você diria que eu tenho a cabeça quente.”

Tudo isso estava soando familiar demais. “Não é o seu dom? O que você quer dizer?”

“Bem, eu sou uma cantora. Canto com outras velas para encorajá-las a queimar com mais brilho.”

Sem pedir minha permissão, ela começou uma interpretação de “This Little Light of Mine”. (Tenho que admitir, ela tem uma boa voz.)

As outras três também se juntaram, enchendo o quartinho com canções.

“Ei,” eu gritei por cima da música, “não me importo que vocês cantem enquanto vocês trabalham! Na verdade, seria bom um pouco de música lá fora!”

Elas não me ouviram. Estavam cantando alto demais. Eu gritei mais alto. “Vamos! Há muito tempo pra isso depois. Temos uma crise em nossas mãos.”

Elas não iriam parar. Coloquei a vela maior na prateleira e dei um passo para trás e pensei no absurdo daquilo tudo. Quatro velas saudavelmente perfeitas cantando umas para as outras sobre luz mas recusando sair do quartinho. Era tudo que eu podia suportar. Apaguei uma por uma. Elas continuaram cantando até o fim. A última a chamejar foi a fêmea. Eu assoprei bem na parte do “puff” do “Won’t let Satan puff me out”.

Coloquei minhas mãos no bolso e voltei na escuridão. Eu bati meu joelho no mesmo refrigerador. Aí dei um esbarrão em minha esposa.

“Onde estão as velas?” ela perguntou.

“Elas não … elas não vão trabalhar. A propósito, onde você comprou aquelas velas?”

“Ah, elas são velas da igreja. Lembra a igreja que fechou do outro lado da cidade? Eu as comprei ali.

Entendi.

Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques
Texto original extraído com permissão do site www.maxlucado.com