Ideologias políticas têm apenas um propósito: deixar a igreja cega

Muitos pensam que a esfera política é um espaço bem delimitado ideologicamente. Eles usam os conceitos de direita e esquerda, conservadores e progressistas, para explicar todos os fenômenos sociais. Uma espécie de panaceia sociológica.

Entretanto, as dinâmicas públicas são bem mais complexas do que isso, formando diversas camadas ideológicas que, em alguns momentos, se sobrepõe e escapam da compreensão rasteira de algumas pessoas. Nesses encontros é que as ideologias mostram seu poder analítico limitado.

Para dar um exemplo apenas, recebi de uma dedicada estudante de Invisible College, uma notícia sobre a coalizão entre diversos grupos políticos conservadores e uma frente de libertação feminista dos EUA contra um projeto de lei no estado da Dakota do Sul que proibiria médicos de receitar bloqueadores hormonais para jovens com menos de 16 anos que estariam com cirurgias de redesignação de gênero confirmadas.

O que é politicamente interessante nessa notícia é que dois grupos sociais que historicamente são colocados em lados opostos nas diversas discussões políticas — tais como pornografia, prostituição, abordo, direito homoafetivo, libertação feminina — se aliaram contra pautas relacionadas aos transgêneros.

Foi motivo inclusive de notícia o fato de que conservadores americanos e feministas radicais deram as mãos contra a luta de direitos civis das pessoas trans. As visões maniqueístas da analise social, aquelas que mantêm todos os grupos em polarização irresoluta, simplesmente não consegue acompanhar um processo social dessa complexidade. 

Não temos em nosso imaginário político as categorias para pensar como feministas podem ser contra pessoas trans e como conservadores podem fazer uma coalizão com progressistas.

A realidade social é tão mais complexa que permite casos em que feministas se oponham à prostituição e a pornografia, enquanto defendem sem restrições o direito ao abordo e a intervenção do Estado em questões de pessoas trans.

Essa é uma das principais razões pelas quais insisto que cristãos devem abrir mão de análises sociais maniqueístas e começar a enxergar as coisas com mais refinamento teológico e político. Não é possível que a contribuição que a Igreja tem para o bem comum seja repetir estereótipos políticos sem qualificar seu discurso.

E não adianta explicar tais fenômenos complexos como se fossem, simplesmente, incoerência política. Na verdade, é o contrário! E é aqui que os evangélicos ainda são ingênuos quanto aos compromissos fundamentais que estão por trás das militâncias políticas.

Em vez de parecer contradição entre feministas e conservadores, na verdade é a absoluta coerência idolátrica a mulher (enquanto falso deus) que faz com que feministas não permitam que a identidade feminina seja dada a homens transgênero — colocando em risco espaços exclusivo para mulheres, como alas femininas das prisões ou abrigos para vítimas de violência doméstica.

Podem querer me convencer do contrário, mas a paixão religiosa ainda é o a melhor explicação para o funcionamento das militâncias políticas. Bob Goudzwaard e David Koyzis foram cirúrgicos em eleger as antigas idolatrias bíblicas como os paradigmas privilegiados das modernas ideologias politicas. Ideologias estas que idolatram partes isoladas de uma sociedade e não vêem problemas de se associar com outros agentes públicos para defender seus falsos deuses. No fim, o que conta é a santidade política e o zelo ideológico.