Tempos atrás assisti a série Knightfall. Quase não dá pra parar de ver. Seu corpo fica tensionado e os olhos vidrados. Mata qualquer sede por ação, aventura, guerra e adrenalina. Uma trama feita de opostos que se mesclam e se confundem: serviço e poder, traição e fidelidade, dor e prazer

Uma guerra em que o maior inimigo é você mesmo. Uma corte corrupta, um rei manipulado, uma relíquia religiosa, a ordem dos Templários e uma história de amor que é capaz de derrotar qualquer obstáculo.

Muito bem. Depois da bela propaganda acima (que me faria assistir a série outra vez, porque me fez beber adrenalina!) fico tentando olhar mais friamente.

Arriscaria uma síntese, a partir da cosmovisão bíblica. Knightfall basicamente fala do pecado, o caos que suas consequências podem construir, e o final sangrento que não entrega o que o pecado prometeu no início.

Nos últimos tempos tenho percebido o caos nas artes. Uma das obras de teatro que assisti aqui na Espanha, onde moro, foi “La casa de la fuerza”. Começa e termina no caos: homens-que-não-são violentam mulheres no visível e no invisível. Isso causa uma reação caótica em que o desejo feminino é copular com os próprios filhos para criar uma geração de homens fracos, ou seja, outros homens-que-não-são. Lamento, mas o ciclo se reiniciaria.

O caos. O contrário da ordem, a desfiguração, a diminuição e a confusão do que deveria ser inteiro, nítido, desenvolvido e vivo.

Não acredito que a gente deve ter produções artísticas alienadas à realidade, em que o mal é fraco e facilmente vencido, ou até inexistente. Não. Vivemos em um mundo mal. Acredito que, sim, devemos mostrar o caos. Mas chamar o caos de caos, e não de ordem. Chamar o bom de bom, e o mal de mal. E não ocultar as consequências de ambos.

Já não quero engolir relações extraconjugais aventureiras sem ver a marca da rejeição e culpa. Não quero mais acreditar que trair dá lugar aos desejos egoístas sem pedir de volta um preço alto. Chega de acreditar que o mal não vai trazer suas consequências. Isso também é alienação.

Como artista, quero ter a coragem de chamar o bom de bom, e o mal de mal. O sim é sim, e o não é não. Mas com os parâmetros e a esperança vinda de um Deus que está insistentemente trabalhando na e com a humanidade para restaurar a ordem, o shalom, a plenitude. Seu reino é bom.

Knightfall mostrou as consequências do bom e do mal. E ainda que o sangue tenha banhado a sala, ainda havia um sinal de esperança, mesmo em meio às complexas relações humanas.

E que nossa arte o faça também. Que ela seja um lugar-outro pra ir fantasiar, desconectar, refletir, divertir-se, denunciar e o que mais seja o objetivo, mas com a intenção de voltar mais sábios, mais inspirados e mais preparados pra transformar o mundo ao nosso redor, começando pelo caos que ainda existe dentro do nosso próprio coração.