Uma nova onda de empreendedores sociais cristãos está transformando vidas

por Rob Moll

O empreendedorismo nem sempre foi bem visto no meio cristão. Ultimamente, contudo, têm surgido grupos e fundos de investimento cuja ênfase continua sendo a produção de riqueza – mas, também, promover alguma transformação na vida das pessoas, sobretudo aquelas mais pobres. A história do investidor de impacto Aslan Global Management começou em 2005, quando Paul Larsen e Jes Tarp frequentavam a mesma igreja. Larsen havia trabalhado em uma grande corporação de Wall Street até se juntar ao seminário financeiro de Gary Moore em Sarasota, na Flórida. Tarp estava dando aulas na Ucrânia, onde constatou que o colapso do comunismo havia deixado os ucranianos com muitos campos agrícolas, mas pouco conhecimento para desenvolvê-los. Ele começou, então, a alugar terras dos ucranianos e contratá-los para trabalhar nelas.

A prática era mais do que uma aventura empresarial: Tarp estava ensinando àquelas pessoas uma ética de trabalho que praticamente desapareceu por causa do comunismo. O respeito que ele ganhou por tratar bem proprietários e trabalhadores garantiu uma oportunidade para compartilhar o Evangelho. E quase não havia limite para o negócio, com tanta terra não aproveitada. Tarp dividiu seu novo empreendimento com Larsen, que começou fornecendo funcionários. Com o tempo, Larsen passou a se envolver mais, até que estava comprometido em tempo integral. Assim, a Aslan rapidamente atraiu investidores. Como conselheiro financeiro da Merrill Lynch, Dwight Short passou os últimos anos de sua carreira explorando fundos cristãos e responsabilidade social. Em 2005, ele conheceu Larsen e visitou a fazenda da Ucrânia. Ao contrário de outras empresas, o grupo pagava antecipadamente os agricultores para que eles não precisassem esperar até a colheita para receber. “É bom dizer que somos uma empresa com fins lucrativos”, afirma Short, “mas o lucro mais significativo é estar fazendo a diferença na vida das pessoas”.

Para manter essa distinção entre extrair riqueza e criar valor, Larsen observa um grupo frequentemente caluniado e mal compreendido na história da Igreja: os capitalistas. Não é completamente correto dizer que os puritanos – aqueles protestantes que buscaram liberdade religiosa no século 17 – eram capitalistas. Os historiadores têm sido relutantes em ligar as crenças puritanas diretamente com o capitalismo da forma como Max Weber fez em A ética protestante e o espírito do capitalismo. Ainda assim, eles veem uma ligação inegável entre as comunidades cristãs primitivas dos Estados Unidos e o sistema econômico que levou a América ao seu status de superpotência.

A ligação entre os primeiros puritanos e o capitalismo é, em parte, circunstancial. Quando eles se opuseram à igreja estatal – e, portanto, ao Estado em si –, foram cortados de outras atividades econômicas. Após chegarem à Nova Inglaterra, eles foram forçados a abandonar seu sistema comunitário, já que não conseguiram produzir comida suficiente e outros bens necessários para se alimentarem e pagar seus investidores. Ainda assim, abraçaram os valores de um comércio virtuoso, acreditando que o trabalho do agricultor e do comerciante era tão importante quanto o do pregador. Os puritanos viam a indústria como uma maneira de servir não apenas a Deus mas, também, ao próximo. “O principal objetivo de nossas vidas”, escreveu o clérigo William Perkins, “é servir a Deus ao servirmos aos homens no cumprimento de nosso chamado”.

NEGÓCIOS E FILANTROPIA

Doze anos atrás, Steve Beck deixou a carreira em consultoria de estratégia para juntar sua experiência em negócios à filantropia. Ele passou vários anos comandando a Genebra Global, que fornecia subsídios para financiar projetos humanitários na Global South. “Em geral, vimos uma mudança de vida verdadeira”, ele contou. “Mas também vimos os riscos e as limitações das doações”. Beck diz que a relação desigual entre a contribuição e o beneficiário promove dependência. Quando o dinheiro da contribuição acaba, muitas vezes o trabalho também.

Beck, então, lançou o SpringHill Equity Partners, um círculo investidor privado que financia empresas comerciais na África oriental com os mesmo objetivos buscados pelo Genebra Global. Pelo sistema, investe-se em empresas que fornecem bens e serviços para famílias de baixa renda, através das quais o crescimento comercial e o sucesso dos investimentos geram benefícios sociais expansíveis para os pobres. Estes são tratados como consumidores com a dignidade da escolha, em vez de beneficiários da caridade. Um investimento, Sanergy, é uma empresa de saneamento nas favelas de Nairóbi, no Quênia. Outros estão em escolas e outros empreendimentos no país.

O Sovereign’s Capital é outro fundo semelhante ao SpringHill. Lançado em 2012, investe recursos privados na área da saúde, tecnologia e produtos de consumo no sudeste da Ásia. Ele fornece capital para empresários guiado por fortes princípios éticos. A indústria está em seus primeiros dias, segundo Beck. No entanto, “há um número crescente de empresários querendo aumentar os negócios com um resultado final duplo”.

Brian Fikkert, diretor executivo da Chalmer’s Center e coautor de When Helping Hurts (algo como “Quando ajudar dói”), diz que esses resultados finais duplos podem ajudar muito quem vive em situação de pobreza. O mais importante é que eles colocam o cliente no comando, em vez de apenas os interesses de organizações humanitárias ou dos doadores de desenvolvimento. Em outras palavras, se as famílias pobres não comprarem o forno econômico e ecologicamente correto vendido por um investidor de impacto, por exemplo, o negócio fracassa. “Os mercados são bons no processamento de informações dos clientes”, diz Fikkert, também economista.

No entanto, os negócios atendem a uma necessidade apenas quando podem obter lucro. Nem todas as famílias pobres podem pagar pelos serviços de que precisam. Alguns bens podem sempre necessitar de subsídios, segundo Fikkert, e é por isso que organizações sem fins lucrativos são necessárias. Michael Miller é pesquisador e diretor da Action Media no instituto Acton, um grupo de estudos de religião e liberdade. Ele adverte que, assim como um único projeto de caridade não irá “curar” a pobreza, um investimento de impacto também não fará isso.

“Quando as pessoas criam prosperidade apesar das instituições, da propriedade privada, do Estado de direito e de outras convenções fundamentais, o progresso decola”, diz. Mas isso requer uma gama de soluções do governo, de instituições legais e civis e de organizações sem fins lucrativos, e os negócios são apenas uma peça do quebra-cabeça. Fikkert faz parte do Conselho de Consultoria da Sovereign’s Capital. Ele adverte que a transformação – de uma perspectiva cristã – abrange muito mais do que o acesso a empregos ou mercadorias. “No espaço do empreendedorismo social, o foco está em obter algum produto para uma pessoa pobre, como um celular. Implícito nisso, porém, está a ideia de que os pobres precisam ter acesso a um celular ou à água”, diz Fikkert. “Isso reduz o desenvolvimento de proporcionar maior acesso a recursos materiais. Pensar que a falta de produtos e serviços é a soma total da pobreza é errado”.

“PAPEL A DESEMPENHAR”

O investimento não é apenas uma cura incompleta para a pobreza; os cristãos nem sempre apoiaram investimentos baseados em valores cristãos. Frequentadores regulares de igrejas na América ganham entre 1,7 e 3,4 trilhões de dólares anualmente. No entanto, investimentos em recursos cristãos são pequenos em comparação com aplicações tradicionais. Os recursos de investidores médios muitas vezes enfrentam dificuldades. A GuideStone, que oferece às pessoas e aos empregadores tudo – desde planos de aposentadoria a pacotes de fundos mútuos –, é a maior empresa de investimento cristã, e possui apenas 10 bilhões de dólares sob gestão, enquanto uma empresa como a Charles Schwab possui US$ 2,3 trilhões em ativos de clientes.

Rusty Leonard comanda sua própria empresa de investimentos cristã, a Stewardship Partners. Ele tem seguido as novas tentativas de investimento de impacto cristão, observando muitas empresas surgindo e acabando. “Eu não sou naturalmente pessimista, mas é difícil ser otimista nessa área”, ele diz. “Os evangélicos, em particular, parecem ser curiosamente resistentes a investir com base em suas crenças”. Há também a enorme quantidade de dinheiro necessária para se investir em empresas como a SpringHill e Sovereign’s Capital: o valor de entrada para cada uma é de 50 e 100 mil dólares, respectivamente.

“A comunidade cristã tem feito um excelente trabalho de compartimentar dinheiro e fé”, diz David Gautsche, vice-presidente sênior de produtos e serviços na Everence, um grupo de fundos lançado há 25 anos e ligado à Igreja Menonita. Porém, um número cada vez maior de pessoas – especialmente à medida que as oportunidades crescem – está escolhendo investimentos com base religiosa. Havia apenas dois grupos de fundos cristãos no início dos anos 90, mas agora há cerca de uma dúzia, além do surgimento de novos grupos trimestralmente. “A maneira como gastamos e investimos nosso dinheiro deve refletir quem dizemos ser, isto é, pessoas religiosas”, afirma Gautsche. E isso faz a diferença na vida real. Gautsche observa que a Everence fez parceria com a Hershey para incentivar o compromisso da empresa de chocolate de usar apenas cacau produzido através de trabalho que não possa ser considerado análogo à escravidão.

Segundo Larsen, os cristãos ocidentais estão sentados em cerca de 400 bilhões de dólares em contas de aposentadoria. “Eu nunca ouvi ninguém dizer que usa sua aposentadoria para investir no Reino, para promover o desenvolvimento humano ou para alimentar os pobres”. Para ele, não basta inspirar essas pessoas a darem cestas básicas para os carentes da igreja ou preencherem cheques para missionários. “Elas precisam ir além. Temos um papel a desempenhar”.  E, nesta ótica, investidores médios podem fazer a diferença. Larsen espera ajudar comunidades africanas a se alimentarem e até mesmo exportarem seus produtos para todo o mundo, graças a empresas e investidores cristãos. “A África tem dois bilhões de acres de terras aráveis, que custam, cada um, entre 500 e 1,5 mil dólares para desenvolver”, aponta. “A África precisa de know-how e de capital, não de esmola. Se não ficarmos ao seu lado, haverá outra colonização por parte de corporações internacionais, e o continente alimentará metade do mundo, enquanto seus habitantes comerão o equivalente a três dólares por dia. Assim, ela não se desenvolverá.”

Rob Moll é jornalista, editor de Cristianity Today e atua na área de Comunicação da Visão Mundial Internacional

Tradução: Julia Ramalho

Imagem: Filme SOLOMON KANE (Divulgação)