Arte: Davi Pinheiro

*** ATENÇÃO: CONTÉM SINGELOS SPOILERS ***

Sou do tipo de cristão que consome conteúdo secular. Livros, filmes, músicas, etc. Pra ser sincero, acho a maior parte do conteúdo cultural evangélico bem sem graça. Na maioria dos casos, podemos dividir este conteúdo em duas categorias. De um lado é conteúdo focado para o público interno consumir. Do outro lado é conteúdo para combater e criticar o pensamento do mundo. O problema maior é que, nos dois casos, o conteúdo costuma ser superficial, com pouca profundidade artística, emocional e até mesmo espiritual.

Um dos pontos no qual percebo esta rasura é com relação à comunicação da doutrina da queda. Sem dúvida, as produções culturais seculares conseguem ir muito mais fundo neste tema. Considero isso problemático, pois comunicar o mal presente no mundo é parte imprescindível da propagação do Evangelho e, como fazemos isso com superficialidade, todo resto da comunicação parece ficar muito pueril.

Gostaria de usar um Blockbuster de terror como exemplo. Meus filhos foram iniciados nos filmes de terror com a primeira parte do IT – A coisa – baseado no livro de Stephen King. Neste mês, acompanhei eles para conferir o final da saga do palhaço Pennywise. As primeiras cenas, tanto da primeira parte, quanto desta segunda, são muito fortes. Depois disso, o filme parece uma mistura esquizofrênica de comédia, terror e aventura infantil. Um espécie de filme de terror para iniciantes, mesmo. Ideal para eles.

Porém, em seu conteúdo geral, há uma mensagem que resumi em uma pequena frase. Ao acender das luzes do cinema, pensei em voz alta: “O mal não se importa.” E, quando disse isso, não pensava apenas nos anjos caídos. Pensei também no meu mal e no seu mal. Pensava no mal das corporações privadas e no mal estatal, institucionalizado. O mal é essa ausência de cuidado e de empatia. Ele não liga se é uma criança que sofre. Ele não liga pro abuso do pai contra a filha. Ele não liga pra fome presente na família ao lado. Não liga se alguém ficou com sentimento de culpa ou vexame. Não liga para os abusos de poder. Não liga para a depressão que pode levar ao suicídio, não liga para o abandono, para o descaso, para as fobias que levam à violência uns contra os outros.

No início do segundo filme, há uma violenta cena de homofobia, na qual o palhaço parece que participará de modo bondoso. Só que não, porque o mal não tem interesse nesses temas. Sobre estas dores, ele só deixa um silêncio conivente.

Mas Pennywise, ou qualquer outro tipo de mal em você ou em mim, é ainda pior do que isso. Além de não se importar, ele se aproveita destas dores e sofrimentos para seu próprio bem. Sim, o mal é um aproveitador. Faz uso das dificuldades e fraquezas alheias para manipular pessoas e circunstâncias a seu favor.

Em uma cena terrível, o palhaço se aproveita de uma pequena deficiência facial que incomoda uma menina, para atraí-la. Ele promete resolver aquele problema, mas o que ele faz é devorá-la. Porque mal só faz uso do medo, do incômodo e das relações de poder em qualquer esfera, seja pessoal ou pública, para se avolumar, se fortalecer e crescer. Sobre estas coisas, o mal apenas dá um sorriso conveniente.

Saí do cinema atordoado por refletir sobre isso. Sobre o fato de que temos sido como este palhaço em muitos temas e esferas da vida humana. Ouvimos tanto e de tantas formas sobre o sofrimento e a dor, que nos acostumamos. Ao nos acostumarmos, deixamos de nos importar.

Depois disso, só falta um pequeno passo para nos transformarmos na Coisa, narrada por Stephen King: Começarmos a usufruir destes medos, destas dores e destes sofrimentos alheios.

Que este exemplar fictício do mal, criado por Stephen King, sirva de alerta e lembrete contra a maldade presente em mim, em você e em todos nós. E que a necessária luz de Cristo brilhe sobre nossas trevas, sobre nossa indiferença e sobre nosso oportunismo diabólico.