Bem-vindos à era da indignação! Quem diria que a tecnologia daria mais poder a alguns de nossos piores atributos ao invés de dá-lo aos nossos melhores?

Há vinte anos, não pesquisávamos coisas no Google em nossos smartphones. Agora, é instintivo. Pesquisamos na internet quase sem pensar, acessando bibliotecas literais de informação praticamente sobre qualquer assunto mais rápido do que conseguimos digitar as palavras-chaves. Pesquisei na internet dezenas de vezes enquanto escrevia este texto.

Com a tecnologia de hoje, podemos nos comunicar instantânea e continuamente, quer estejamos enfrentando uma crise de vida ou morte ou apenas satisfazendo uma curiosidade. Na década de 1980, American Express avisava os usuários dos cartões, “Não saia de casa sem ele”. Hoje, parece que não podemos sair de casa sem nossos telefones. Na maioria dos dias, eu voltaria para casa mais facilmente para pegar meu telefone do que minha carteira. Nós podemos – e sentimos que devemos – permanecer constantemente conectados com amigos, família, colegas de trabalho e, bem, com o mundo.

Entretanto, os dispositivos que nos permitem comunicar com todos sempre que quisermos, muitas vezes nos afastam ainda mais. A tecnologia criou uma oportunidade interpessoal, mas também despersonalizou a comunicação e o conflito, dividindo muitos de nós de nossos vizinhos.

As seções de comentários no YouTube são mais testemunhas da depravação humana do que todas as doutrinas dos reformadores combinadas. Argumentos, intimidação, teorias de conspiração, fossas irracionais e cruéis de informação errada e má orientação abundam em nossa comunicação e mercado digitais. Há indignação em todo lugar – às vezes tendo os cristãos como alvos, mas, infelizmente, muitas vezes vindo dos cristãos.

Vivemos em um mundo onde nossas crenças são cada vez mais estranhas e até ofensivas. Mas, com cristãos, devemos permitir que o Espírito Santo dirija nossa resposta. Veja, os cristãos estão de fato na ponta receptora dessa máquina de indignação. Entretanto, também vejo frequentadores de igreja contribuindo e participando em grande parte da hostilidade e da informação errada na internet. Nossa indignação digital prejudica nosso testemunho ao mundo diariamente. Parece que as pessoas que reivindicam ser cristãs são muitas vezes piores na divulgação de informações falsas ou imprecisas.

Há de fato muito com o que nos preocuparmos no nosso mundo, e alguns assuntos merecem nossa indignação, até nossa ira. Os seguidores de Cristo devem chorar e lamentar por causa do sofrimento e da injustiça, mesmo quando nós advogamos e lutamos por mudança no mundo.

Mas quando é que a ira do cristão se justifica? E quando a indignação difama o nome de Jesus e mina nosso testemunho? Quando estamos derrubando as mesas dos cambistas justamente e quando estamos apenas causando estragos por causa de nossas implicâncias? Estas perguntas não têm respostas fáceis, mas merecem nossa consideração se quisermos ser discípulos fiéis de Cristo.

Grande parte do nosso mundo parece inundada de divisão e hostilidade. A indignação nos cerca e devemos decidir como navegar por estas águas novas e frequentemente perigosas. Nós não escolhemos o momento em que nascemos ou os problemas que enfrentamos em nossos dias. Embora o conflito seja universal em todas as gerações, nós vivemos e ministramos em um momento único. A indignação se espalha como uma doença pelas nossas plataformas digitais e os cristãos não estão imunes. Como respondemos de uma maneira que honre a Jesus? Podemos começar reconhecendo três realidades.

Atraído pela indignação

Primeiro, as pessoas têm uma inclinação natural à indignação. Os cristãos não são exceção; na verdade, frequentemente contribuímos com ela.

Em Cristãos na Era da Indignação, eu ressalto a história de Caleb Kaltenbach, que em 2013 tuitou uma foto da Bíblia exibida em uma loja Costco. Ele achou engraçado e irônico que a Bíblia estivesse aparentemente exibida por engano na seção de ficção da loja. Depois que a foto recebeu centenas de retweets, grandes fontes de notícias pegaram a história. Como eu explico no livro:

Com o título ‘Costco – a Bíblia é ficção’, Fox News promoveu a ideia de que Kaltenbach havia descoberto uma conspiração contra os cristãos e contra a Bíblia. Kaltenbach foi até citado como caracterizando a decisão da loja de agrupar a Bíblia com ficção como “bizarra”.

Em minutos, The Drudge Report  pegou a história e os cristãos se mostraram indignados com a percepção desse insulto com gritos de boicote. De repente, um erro por rotular a Bíblia como ficção se tornou uma declaração teológica encoberta sobre a própria natureza da Escritura. O que provavelmente acontece centenas de vezes nas livrarias todos os dias se tornou uma faísca insidiosa que desencadeou a indignação cristã contra Costco.

Kaltenbach não ficou indignado. Ele acreditou, e Costco confirmou, que foi um erro de arquivamento. Mas sua história – pega em um ciclo de indignação – é muito mais complexa. Veja, Kaltenbach foi criado por um casal do mesmo sexo. Ele se tornou cristão, mudou suas visões, foi eventualmente deserdado e anos mais tarde viu seu pai e sua mãe biológicos finalmente virem a Cristo. Kaltenbach veio em minha casa e ele não me pareceu ser um cristão indignado. Ele é generoso, carinhoso e gentil. Seu livro, Graça confusa: Como um pastor com pais homossexuais aprendeu a amar os outros sem sacrificar a convicção, está cheio de sabedoria e – você adivinhou – graça!

Entretanto, a conversão de Kaltenbach e de sua família não foi notícia. Seu tweet de Costco foi, porque as pessoas são atraídas pela indignação. Foram principalmente os cristãos que conduziram essa indignação – indignação baseada em informação errada. Mas quem se importa com os fatos quando você pode ficar indignado? Nós gostamos do fogo.

Parece que alguém está sempre atiçando o fogo da indignação em algum lugar. Por quê? Porque a ofensa atrai nosso interesse. É a natureza humana. Gostamos de pensar em nós mesmos como a parte ofendida que precisa receber perdão ou a parte capaz de exigir um pedido de desculpas em nome de outra pessoa.

Uma melhor maneira

Segundo, a maior parte da indignação não é uma ira justa. Muitas pessoas que abrigam a indignação acham que é uma ira justa, porque nossa cultura muitas vezes confunde as duas. Isto é prejudicial para os cristãos e para o mundo.

Recentemente, minha esposa e minha filha ficaram presas no estacionamento de um aeroporto às 2 da manhã quando uma equipe de aluguel de carros se recusou a reconhecer sua reserva ou até mesmo oferecer um mínimo de acomodação. Minha ansiedade aumentava à medida que eu tentava, a centenas de quilômetros de distância, conseguir que alguém ajudasse minha família. Eu queria explodir minha indignação pela rede para o meu quarto de milhão de seguidores no Twitter.

Mas o Espírito Santo me ajudou a concentrar no que seria produtivo ao invés de no que seria instantaneamente gratificante. O péssimo serviço de atendimento ao cliente da agência de aluguel de carros era frustrante, rude e inexplicável. Mas eu tive que admitir que isso não garantia uma ira justa. Então, eu educadamente perguntei na internet, e as pessoas em sua conta do Twitter ajudaram – talvez em parte porque eu fiz isso racionalmente.

A ira justa é dirigir nossas emoções e nossa paixão de angústia para as coisas que deixam Deus irado. Deus é completamente perfeito, santo e separado do pecado e do quebrantamento. Em resumo, Deus é justo pela sua própria natureza e caráter. Quem quer que Deus seja, e o que quer que Deus faça, está certo. O que vai contra a natureza e o caráter de Deus é injusto. E a ira pelas coisas que violam a natureza e o caráter de Deus é justa, porque ela anseia pelas coisas que Deus anseia em Sua justiça.

Enquanto permanecia perfeitamente no controle, Jesus abordou o quebrantamento, o sofrimento e a injustiça com ousadia, sempre com indignação e ira justas contra o pecado. Sendo o perfeito Filho de Deus, ele odeia qualquer coisa que vá contra seu caráter e o caráter de seu Pai. Este é o mesmo Jesus que purificou o templo: “Então ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo” (João 2:14).

Muitas vezes nós trocamos esta ira com foco em Deus por uma indignação com foco em nós mesmos ou em outros. Podemos dirigi-la a um candidato político, a um pastor ou até mesmo a uma pessoa que encontramos em um espaço de comentários online. A angústia e a agressão a uma pessoa são imitações baratas, rápidas e pecaminosas da ira justa.

A ira justa é humilde e consciente de nossa própria propensão ao pecado. Quando focamos na natureza e no caráter de Deus, a maneira como nos vemos e vemos os outros muda. Considere as palavras poderosas de Jesus em Mateus 7:5: “Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão”.

Jesus nos instrui a olharmos primeiramente para dentro e vermos nossas próprias deficiências abertas e evidentes. Quando trabalharmos nisso, teremos uma visão mais clara e uma experiência pessoal da justiça de Deus. Então estaremos em um lugar melhor para ajudarmos os outros de uma maneira amorosa e cristã. Um depende do outro.

Por outro lado, a indignação surge do orgulho, da arrogância e da falta de autoconsciência que sempre grita: “Mas e quanto a…?” Não há nada de errado em tirar o cisco do olho de alguém – e a Bíblia é clara quando diz que devemos fazê-lo – mas só depois vermos a nós mesmo. A indignação silencia a voz da nuance e da autorreflexão com os gritos de ódio e de reação veemente. Tentar abordar o pecado nas vidas das outras pessoas sem primeiro abordar o nosso é hipocrisia.

A ira de Deus está sempre no contexto da Sua bondade, levando os outros ao arrependimento e à fé. A indignação esquece ou ignora esta graça de Jesus. Ela procura abafar a possibilidade de misericórdia ou de graça, exigindo retribuição em seu lugar. É rápida, severa e não tem remorso. É vergonhoso que os cristãos muitas vezes sigam este padrão cultural de reagir vingativamente ao invés de misericordiosamente.

Construindo pontes

Terceiro, a indignação divide, mas a missão engaja. “Guerra cultural” não é um termo que gosto de usar, porque é difícil guerrear com um povo e amá-lo ao mesmo tempo. Mas é comprovadamente verdade que a cultura se virou contra muitos valores cristãos. Em outras palavras, de muitas maneiras, isso se refere a nós. Nem sempre nós a criamos. Existe a redefinição de casamento, a negação da verdade universal e a falsa acusação de que o cristianismo piorou o mundo ao invés de melhorá-lo. O fato é, os cristãos estão certos em rejeitar tais ideias. Mas podemos defender a verdade sem reagir com ódio àqueles de quem discordamos.

Como respondemos quando alguém nos provoca pode ajudar ou prejudicar nosso testemunho cristão. Jesus nos chama a demonstrar seu amor e bondade, mesmo quando os outros nos acusam injustamente ou nos caluniam. Fico preocupado que nesta era de indignação – uma era na qual uma resposta pessoal a uma ofensa não exige uma interação pessoal – nosso caráter muitas vezes reflita o mundo, não Jesus.

Nossa resposta importa. Veja, temos uma melhor maneira. Os cristãos têm o evangelho, a melhor notícia de todas. E o evangelho nos traz uma alegria sombria – a alegria que vem de saber que temos a salvação através de Cristo e uma sensação de tristeza porque vemos o salário do pecado e como muitas pessoas ainda rejeitam o único meio de redenção. E como podemos ter expectativa ou esperança de que um mundo incrédulo confiará que Jesus é o caminho, a verdade e a vida se os tratamos com desdém?

Então, a pergunta é esta: Como devemos responder agora? Claro, a resposta é multifacetada. Alguns irão, e devem, defender a liberdade religiosa. Alguns irão trabalhar para criar uma cultura que atraia os outros à beleza do evangelho. A maioria de nós irá envolver a cultura de pessoa em pessoa ao invés de empreender uma guerra cultural.

Para cumprir a missão para a qual Deus está nos chamando, precisamos parar de contribuir para a indignação e começar a comprometer a indignação dos outros com as boas novas de Jesus. Se os cristãos se concentrarem em amar os outros ao invés de expressar indignação por causa das nossas diferenças com eles, se mostrarmos misericórdia às pessoas ao invés de condenação, elas veriam Jesus de um jeito diferente. Estou convencido de que este é, de fato, um dos maiores desafios dos nossos dias.

Agora para ser justo, nosso desafios são menos ameaçadores do que aqueles que muitos enfrentaram nos séculos anteriores. A maioria de nós não está preocupada com empalhamento em estacas. Mas as estacas que enfrentamos ainda são altas. Precisamos nos engajar bem neste momento pela causa de Cristo e do seu reino.

Sal e Luz

É hora de deixar a ira de lado e encontrar outra maneira, uma melhor maneira. Modelar o amor de Cristo não é apenas para pastores e líderes da igreja. É o que o Espírito Santo capacita todo seguidor de Cristo a fazer. Jesus chama seus seguidores para serem o “sal da terra” e a “luz do mundo”. No Sermão do Monte, ele diz, “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus” (Mateus 5:16).

A maioria das pessoas ama a escuridão ao invés da luz. Como cristãos, precisamos de uma dieta constante de Jesus e do evangelho para resistirmos a atração para a escuridão. Infelizmente, muitas das nossas igrejas não têm engajamento bíblico fora domingo de manhã e não têm plano para fazer discipulado com membros. E muitos pastores ficam hesitantes em abordar as interações online inapropriadas dos congregantes.

Mas Jesus não evita essas coisas. Onde ele vê uma lacuna, ele a preenche. Onde há um problema, ele amorosamente cuida dele. Ele arregaça as mangas e começa a trabalhar nos lugares difíceis e escuros dos nossos corações para trazer integridade, cura, redenção e graça.

Jesus dá o exemplo máximo de como viver justamente em um mundo hostil. Como Pedro o descreve, “Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça” (1 Pedro 2:23).

Quando trabalhamos humildemente nisto em nossas próprias vidas, também podemos apontar outros crentes para a bondade ao invés de para a ira. O mesmo Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos vive em nós (Romanos 8:11). Ele nos capacitará para superarmos a indignação e respondermos com temperança.

Kaltenbach recebeu algumas oposições por promover uma mensagem de diálogo respeitoso. Mas ele não se preocupa com os pessimistas. Afinal de contas, mudar corações é trabalho de Deus; o nosso é compartilhar sua verdade corajosa e graciosamente.

A Escritura nos lembra de que aqueles que causam divisão “não têm o Espírito” (Judas 19). Aqueles que andam em sintonia com o Espírito produzem seu fruto: “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gálatas 5:22-23). A indignação está visivelmente ausente da lista do apóstolo Paulo. Então estejamos cheios do Espírito e andemos em sintonia com ele, ao invés de expelir crueldade através dos nossos teclados e smartphones.

Jesus nos chama para construir pontes, não para queimá-las desnecessariamente.

ED STETZER

Este artigo apareceu originalmente na emissão de março/abril de 2019 na Influence Magazine.

Ed Stetzer ocupa a Cadeira de Distinção Billy Graham para Igreja, Missão e Evangelismo no Wheaton College, é diretor executivo do Centro Billy Graham e publica recursos de liderança da igreja através do Mission Group.

Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques.
Usado com permissão.