Soul é o mais novo filme da Pixar, dirigido por Pete Docter e Kemp Powers. Mais um trabalho que entrelaça divertimento e sensibilidade. Costura que a produtora e seus roteiristas executam tão bem.

Essa belíssima comédia dramática fala de muita coisa: o papel da arte na nossa formação, crise vocacional e ansiedade… E é mais uma história que expõe a carga de espiritualidade por trás das narrativas culturais.   

Fica evidente como o cinema e a arte popular não escapam de aspectos espirituais para dar rumo às histórias que contam. Isso mostra que um filme não é só um “pedaço de arte” bem confeccionado. 

Se os filmes despertam emoções, é porque têm histórias em ação. E se têm histórias na ativa, com certeza têm muita espiritualidade em seu eixo criativo.   

Robert K. Johnson observa isso no livro Reel Spirituality: Theology and Film in Dialogue: “Os filmes não podem ser descartados simplesmente como entretenimento e diversão, embora também sejam isso. Em vez disso,  são histórias de vida que nos interpretam e estão sendo interpretadas por nós.”. 

Em Soul, Joe Gardner (Jamie Foxx), um pianista apaixonado e subestimado, passa por uma experiência de quase morte e é levado a um tipo de “pós-vida” – e depois cai no que seria um “pré-vida”, onde conhece 22 (Tina Fey), uma alma indisposta a começar a viver, que não encontra a “centelha” que a motiva. 

Pensar “mas essa vida após a morte não tem nada a ver com a Bíblia” limita bastante nossa interpretação do filme e a possibilidade de diálogo com a imagem de mundo que ele propõe. Mas então, como história enriquece nosso o olhar para interagirmos significativamente com a cultura?  

Numa jornada de amizade e percalços existenciais, Joe se reencontra com a satisfação na simplicidade que suas ansiedades encobriram. 

Portanto, penso que Soul não é bem um filme sobre passado (antes da vida) ou futuro (depois da vida), mas sobre o hoje. Ele responde à pergunta “o que vamos fazer amanhã?” com “o mesmo que fizemos hoje”.   

Para nós que desejamos, mesmo que discretamente, conquistas extraordinárias o tempo todo – visão de boa vida que uma hora ou outra causa um estrago espiritual – essa é uma resposta desconfortável e desanimadora.   

Mas, pensando bem, é uma alternativa consoladora: lembrar que não precisamos resolver a vida inteira de uma vez só, tentando agarrar o que desaparece (como o prazer de boas realizações). O que é preciso é cultivar significado de pouco em pouco, bem onde estamos.   

A nossa experiência comum supera a constante expectativa que temos por objetivos cumpridos, estabilidade e grandes sonhos realizados. 

Essa é uma verdade que Soul capta e comunica de um jeito muitíssimo criativo, e que ressoa sensivelmente com muito do que a narrativa do evangelho conta para nós: seres humanos que não tem o controle das coisas, nem da própria história.

Bruno Maroni
Apaixonado por leitura, música, playlists do Spotify, café com os amigos, pizzas, séries e tartarugas aquáticas.