Nasci e cresci em um ambiente religioso (cristão) e acho que a minha maior dificuldade nesse processo foi conseguir perceber e separar as doutrinas institucionais das questões relacionadas à fé com fundamento bíblico. E essa tem sido uma caminhada trabalhosa de desconstrução e ressignificação. Trabalhosa e um pouco dolorida, inclusive. Aos poucos, fui percebendo que muitas das limitações e repressões que estavam dentro da religião, não tinham nada a ver com Deus e estavam me causando um sofrimento desnecessário. E, uma das importantes questões que precisei desconstruir, foi o estigma do silêncio da mulher relacionado à sabedoria:

“A mulher sábia, que edifica o lar, é aquela que fica em silêncio a qualquer custo. Que judia de si em prol do outro. É a mulher mansa que se cala diante da dor da injúria, difamação ou do comportamento inadequado ou agressivo”.

Outro dia, inclusive, circulou nas redes sociais uma pequena crônica de uma senhora que enriqueceu fazendo meias de crochê ao invés de falar sobre suas aflições diante dos conflitos com o esposo. A cada dor silenciada, uma meia de crochê era feita e vendida. No final da história, a senhora “sábia” estava rica. Enriqueceu às custas do seu silêncio diante da dor.

Mas será que isso significa mesmo sabedoria? O que será que aconteceu com todas aquelas palavras que foram engolidas e não digeridas?

Nessa minha curta caminhada de vida, comecei a perceber uma grande distorção nisso tudo. A religião me dizia uma coisa e o próprio Jesus me dizia outra: Ame a seu próximo como você ama a si mesma! Opa! Passei tanto tempo focada no “ame a seu próximo” que acabei deixando de lado o “ame a si mesma”! Percebe que nessa fala Jesus parte do pressuposto que amamos a nós mesmos? Ou seja, para que eu consiga amar o outro, preciso antes amar a mim. E o que significa amar senão cuidar, fazer o bem e atender as necessidades?

Foi então que percebi que quando deixo de cuidar de mim ou de me amar, em prol do outro, estou fazendo o caminho inverso. E aí o amor ao próximo deixa de ser sadio e passa a adoecer a alma (a minha e a do outro também). Afinal, como vou cuidar dos que me cercam se não sou capaz de cuidar de mim mesma? Se não dou conta de atentar e atender as minhas próprias necessidades? Como vou proteger o outro da ofensa, da dor, da humilhação se me permito – em silêncio –  ser machucada através de palavras e comportamentos?  Que forma distorcida e doentia de pensar o amor!

A partir daí comecei a desconstruir esse silêncio doentio em minhas relações para conseguir construir o falar com sabedoria. E para isso, precisei aprender a me escutar e me respeitar primeiro. O que era dito ou feito em minha direção que me machucava? O que eu permitia em silêncio para benefício do outro, mas que me feria profundamente? E por que eu permitia? E, após começar a me perceber, nesse exercício de me amar para poder amar o outro de forma saudável, comecei a falar. E o falar com sabedoria não pede gritos ou ofensas, mas relato sincero do que se passa aqui dentro. Um relato que coloca limites: Opa! Isso eu não permito que faça ou comigo ou fale em minha direção, porque me machuca. E por eu ser uma pessoa de muito valor, não aceito esse tipo de fala ou comportamento.

E esse tem sido um aprendizado lento, difícil, mas gratificante. Percebi o quando estava amando errado porque me me amava errado. Na verdade, eu achava que me amava. E, aos poucos, fui percebendo o quando esse processo de conscientização, desconstrução e mudança, começou a promover efeitos externos. O quão menos emocionalmente doente  fui ficando e o quanto as pessoas passaram a respeitar os meus limites. E foi esse aprendizado que me permitiu olhar o outro e o amor de forma muito diferente, de forma muito mais madura.

Toda palavra não dita diante de um sofrimento, mesmo que pequeno, acaba sendo dita de outra forma. Se não em sofrimento na alma, sofrimento no corpo. Hoje me sinto na obrigação de te dizer que, se a fala ou o comportamento de um terceiro te faz mal, não hesite em falar. Fale com respeito, mas fale. Se preciso for, espere o momento certo, ore, se acalme, mas fale. E fale em direção àquele que te incomodou ou machucou, porque é justo que ele saiba que está causando esse sofrimento em você e, talvez, a sua fala seja uma grande oportunidade de reflexão e mudança.  Aliás, já parou pra pensar que o seu silêncio pode estar impedindo que pessoas se conscientizem de suas ações?

O amor sabe a hora de silenciar, mas sabe também que um ser de valor nunca deve se calar diante da dor. Ei, você sabe que tem valor?