O vocabulário da liberdade – Júbilo

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Amigos, no dia da final da Copa do Mundo de 1994, quando o Brasil, apesar dos pesares, sagrou-se tetra-campeão mundial de futebol, um taxista do Rio de Janeiro fez uma corrida com um espanhol que chegava ao aeroporto Internacional Tom Jobim. No trajeto para o hotel, o estrangeiro se mostrava indignado com tanta festa que se fazia na rua por um motivo tão banal. Para quê tanto barulho só por causa de um time de futebol? Ao que o taxista, carioca e espirituoso, lhe respondeu: “O seu país já ganhou alguma Copa do Mundo?”. “No, no” , foi a resposta carregada de sotaque. “Pois é”, retrucou o carioca. “O dia em que isto acontecer o senhor vai entender o porquê da festa!”.

É este o ponto. Só entende de expressão de alegria quem tem motivo para ela e experiência de vida. Longe de mim comparar o valor inestimável do motivo dos cristãos em expressar seu júbilo com a vitória num Mundial de futebol, por mais importância que, como brasileiros, possamos dar ao fato. Nossa alegria tem um fundamento muito mais sólido e eterno. Mas serve para começarmos a refletir no tema.

A palavra júbilo, segundo o dicionário Aurélio, quer dizer “grande contentamento; alegria intensa”. Na Bíblia, é uma palavra recorrente. Algumas versões da Bíblia em inglês traduzem esta palavra com a expressão “joyful noise”, literalmente, “barulho alegre”, enfatizando a expressão ruidosa da alegria verdadeira.

Encontramos os Salmos transpirando júbilo. Para que ninguém pudesse alegar que o júbilo também é exclusividade da “Velha Aliança”, Deus fez questão de registrar a palavra nos Evangelhos e nas Cartas também, para deixar bem claro. Observe:

  • No Velho Testamento: “Bem-aventurado o povo que conhece os vivas de júbilo, que anda, ó Senhor, na luz da tua presença” (Salmo 89:15). Esta aqui seria um escândalo se só existisse na música do Asaph Borba. Ele seria apedrejado se tivesse dito isso na sua bela canção dos anos 90. Mas para espanto de muita gente, ele só musicou um texto bíblico.
  • Nos Evangelhos: “E vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo (Mateus 2:10). Os magos à procura do recém-nascido Rei dos judeus alegraram-se intensamente quando o encontraram.
  • Nas cartas: “Sinto-me grandemente confortado e transbordante de júbilo em toda a nossa tribulação” (II Co 7:4).
  • No céu: “Eu vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”. Os anjos, na presença de Deus, não têm medo de expressar sua alegria quando alguém é salvo.

Não é extraordinário? Não é desafiador? Não chega a ser quase uma ousadia? Nem foi Davi quem escreveu o salmo 89. Foi um tal de “Etã”, talvez o líder do coral do templo, contemporâneo de Davi. Já imaginou se um dia alguém quiser dar um “viva!” de júbilo no meio do culto da noite? O cara iria para o quartinho imediatamente e de lá direto para o gancho. Porém a Bíblia diz que o povo que sabe expressar sua alegria de maneira intensa é abençoado. Precisamos aprender isso.

Depois, a reação dos magos (de quem, a propósito, a Bíblia nem diz que eram “reis” e nem que eram “três”). O encontro com o menino Jesus, a personificação da esperança e do cumprimento das profecias, faz com que eles fiquem plenos de alegria genuína. Não precisavam sentir culpa por isso, apesar se estarem presenciando uma cena sagrada. Isto não aconteceu na noite de Natal, já que José e Maria não estavam mais na estrebaria, mas numa casa. Mas ainda fazia parte das homenagens da chegada do Salvador do mundo. E tome júbilo!

O grande apóstolo Paulo tinha o direito de jubilar. Mesmo no meio da tribulação. Ele não tinha vergonha de dizer que estava alegre. Parece que alguns crentes hoje em dia têm prazer no mau-humor. Gostam de andar de cara fechada. Alguns até são simpáticos no dia-a-dia, conversam normalmente com a gente. Mas quando pisam no limiar dos seus templos, sofrem uma transformação. Passam a falar num tom grave, quase gutural. Quando sobem ao púlpito então, parece que incorporam uma segunda personalidade. Aí a coisa muda de vez. É incrível. Nem sorriem. Já preguei em lugares em que as pessoas que queriam sorrir precisavam fazê-lo disfarçadamente, olhando de canto para ver se ninguém estava olhando. Espera aí! Eu não preciso pedir licença para expressar júbilo. Isto faz parte do meu vocabulário e da minha atitude diante de Deus. Ninguém pode me constranger a agir de outra forma.

E o mais “grave” de todos, na minha opinião, é o júbilo dos anjos, que nos foi revelado pela boca do Senhor Jesus. Eu tenho a impressão de que alguns crentes vão ter grandes dificuldades no céu. Imagino que, uns dias depois do arrebatamento, enquanto todo mundo curte intensamente tudo o que vê, a paz, a alegria, a ausência do pecado, a presença intensa e completa de Deus, grupinhos vão se juntando pelos cantos da cidade santa e cochichando entre si:

– Gente, mas isto aqui está tããããããããããããão esquisito. Nossa! (com o perdão da má palavra), mas estou achando isto muuuuuuito liberal!
– Pois é, irmão, eu não quis falar nada, mas se continuar assim, onde nós vamos parar?
– O pior é que agora a gente não manda mais na coisa. Se fosse lá embaixo, na minha igreja, eu já teria tomado uma providência. Onde já se viu uma coisa dessas? Está descambando, descambando. Tsc, tsc, tsc…

Passam mais alguns dias, eles decidem pedir uma audiência diante do Trono. A comitiva entra na sala, de sobrolho cerrado, um ar aristocrático e iniciam a conversa mais ou menos assim:

– Senhor Todo-poderoso, o Senhor não nos leve a mal, mas gostaríamos de humilde, reverente e piedosamente nos aproximar de Vossa Majestade para…

Aí o anjo Gabriel, não agüentando mais tanta enrolação, a qual ele já conhecia de séculos de história, interrompe:

– Amigos, podem falar o que vocês querem. Não precisam ficar dando tanta volta. Estamos no céu, gente. Não tem mais reunião de presbitério aqui.

– Amém, então, amém. Então fala com ele, irmão eleito e mui amado.

– Ah, sim, sim. Sabe o que é? É que estamos meio preocupados, Senhor Altíssimo. O Senhor sabe, nunca permitimos certas liberdades em nossa santa Madre Igreja. Por décadas mantivemos um alto padrão de reverência. Lá não tinha essas bagunças, essas manifestações carnais, que me perdoem a menção.

– Sim, entendo – é a voz do Trono.

– Então, Todo-poderoso, o Senhor não vai fazer nada?

– Filhos, escutem uma coisa. Vocês não têm idéia da festa que esses anjos fizeram no dia em que vocês se converteram. Foi uma coisa incrível, se bem que a gente não usa esta palavra aqui em cima. Aqui todo mundo sempre teve a liberdade de mostrar que é feliz. Entendem? Seria melhor que vocês começassem a se acostumar com a idéia, porque a eternidade vai ser daí para cima.

A comitiva se entreolha, surpresa, curva-se reverente pedindo para sair da sala.

Só um deles consegue, com esforço, balbuciar um abafado:

– Ahhh, sei…