Servindo de modelo

Amigos, esses dias me aconteceu algo inusitado. Enquanto pregava na PIB de Piracicaba, percebia uma menina de 8 anos, sentada na primeira fileira, caneta e papel na mão, tomando nota de tudo o que eu dizia. Atenta, não tirava os olhos de mim. Achei aquilo fantástico, porque nem sempre encontro tamanho interesse mesmo em adultos, para os quais normalmente eu me dirijo. Preguei, encerrei e, quando descia do púlpito, ao final do culto, ela veio para mim com um papel na mão, sensação de dever cumprido. Na verdade, o que a habilidosa garota anotava não eram os tópicos da mensagem. O resultado os amigos podem apreciar na ilustração deste artigo (Veja a imagem maior em “Pensando bem”, logo abaixo).

Achei ainda mais fantástico! Tanto que copiei a obra, passei a usá-la no meu MSN e agora faço, de público, um reconhecimento ao talento da artista Ana Elisa de Souza, filha do Pr Elias e da Edilene de Souza. Senti-me lisonjeado. Na verdade, não sabia que estava servindo de modelo. Se soubesse, teria feito tipo, poses, caras e bocas. Mas valeu. Ainda mais porque ela teve a fineza de não incluir no desenho uma certa protuberância abdominal que me acompanha há tempos. Ainda tem os detalhes do púlpito e do microfone. Muito bom!

Como sempre, fiquei a meditar nas implicações do fato. Fiquei pensando em como estamos sendo observados em todo momento, mesmo quando não nos damos conta disso. As pessoas, crianças, jovens, adultos, velhos, cristãos e pagãos estão sempre olhando para nós e tirando suas conclusões. Algumas vezes o resultado nos agrada, outras não. Às vezes as pessoas são simpáticas em suas observações, outras tantas são cruéis. Quem nunca desenhou a professora de matemática na lousa, com uma enorme retaguarda, dentões à mostra e um cabelo de bruxa?

Cada um de nós tem seu lápis e papel na mão e vamos, querendo ou não, caricaturando os semelhantes de acordo com aquilo que nos chama mais atenção. Os óculos, o cavanhaque, os gestos. Mas também os conceitos, as reações, os valores, as atitudes. Nem sempre somos honestos ou justos em nossas avaliações. Por vezes exageramos. Em outras, relevamos aspectos positivos em detrimento dos negativos.

Também não conseguimos determinar a imagem que as pessoas têm de nós. Mas aí entra uma questão interessante: qualquer pessoa que me conheça pessoalmente vai identificar imediatamente a minha imagem naquele desenho. Porque ele, embora não seja uma foto idêntica, tem grande parte dos traços verídicos da pessoa a quem se refere. Não é uma invenção esdrúxula. Quando a Ana Elisa me entregou o papel, imediatamente eu sabia do que e de quem se tratava. A razão é que o desenho foi feito a partir da perspectiva correta. Evidentemente, ele carrega muito da autora e tudo isso precisa ser considerado: sua idade, sua percepção da minha postura, o contexto da cena etc. E tudo isso considerado, seu retrato foi o mais fiel possível, dentro das circunstâncias.

Para mim isso é o que importa quando alguém me analisa ou quando eu analiso alguém. Não gosto de todas as análises que fazem de mim, discordo de algumas e me aborreço com outras. Mas as que abomino e detesto são aquelas feitas sem lealdade, sem critério e até sem informação. Gente que nem lhe conhece muitas vezes já tem uma ficha pronta, um verdadeiro dossiê sobre a sua vida. Há alguns anos alguém falou comigo a respeito de um amigo meu, a quem qualificou como “um ensinador muito liberal”. Estranhei, porque o conheço bem e sei que de liberal ele não tem nada. Perguntei ao interlocutor se ele conhecia o meu amigo. Não. Já o ouvira pregar? Não. Já tinha conversado com ele? Não. Já lera alguma coisa que ele escreveu? Não. Ora, pílulas. Então como é que ele sabia que o sujeito era “liberal”? E o que será que ele entende por “liberal”?

Jesus falou que os olhos são a lâmpada do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será luminoso. Se os seus olhos, porém, forem trevas, que grandes trevas serão! Quer dizer, você pode brilhar ou você pode andar no escuro. Depende de como você vê as coisas. Então, a imagem que as pessoas têm de nós depende fundamentalmente disso. A outra parte é o que realmente somos.

Sempre haverá alguém de olho em você. Com bons e com maus olhos. Os bons olhos são aqueles que enxergam a realidade, sem exageros, sem más intenções, sem sordidez. Os maus são aqueles que enxergam mesmo sem enxergar, que criam o que não existe, que deturpam a verdade das coisas.

Que bons olhos nos vejam. Nem que seja só para fazer um desenho durante uma pregação.

Pensando bem: