A Princesa e o Príncipe

Era dura a vida. Sem que jamais tivesse previsto, Roberto caíra numa apatia total em relação a tudo. O trabalho no escritório de uma grande empresa como auxiliar de contabilidade, apesar da luta que acontecera para entrar ali, tornara-se enfadonho. O casamento com Simone andava horrível. Tinha a impressão de que já não a amava. O problema é que haviam se conhecido muito novos e, na ocasião, se entregaram a uma paixão juvenil, daquelas que precisam de mais base para se sustentar. Desconsideraram conselhos de pais, de gente mais velha, de amigos. Agora estavam juntos havia quase oito anos – ele com trinta de idade; ela com vinte e oito -, mas o fogo da paixão havia se apagado. As diferenças, que tanto os atraíram um para o outro, pareciam agora motivo principal da repulsa entre os dois. Lá no mais recôndito compartimento do ser, a pergunta que não queria calar era: “por que o arrependimento só chega atrasado?” E, na base de um desentendimento aqui, outro ali, explosões de ira e falta de tolerância de ambas as partes, as coisas chegaram a um ponto em que Roberto já não tinha vontade de voltar para casa depois do expediente.

Foi numa dessas ausências de vontade que, depois de os colegas irem embora, deixou-se ficar por mais um pouco. Era sexta-feira, e o computador que usava ainda estava ligado. Entrou na internet e acabou indo parar numa sala de bate-papo. Jogou conversa fora com pessoas desconhecidas por mais ou menos meia hora, até que apareceu ela… uma moça com o codinome “Princesa”. Aos poucos, Roberto, que também entrara com algum codinome, começou a conversar apenas com a moça. Algo o atraíra para ela, o que parecia recíproco. Conversavam reservadamente, ou seja, de modo que os outros internautas não pudessem ter acesso ao que digitavam. Fizeram amizade, e ele saiu daquele momento com um certo ar de satisfação que se misturava com qualquer coisa de agradável. Decidiu mudar seu codinome para “Príncipe”, pois ficaram de conversar outra vez, na segunda-feira, no mesmo horário.

Veio o fim de semana, e nosso personagem sentia, escondida em algum espaço vazio de suas emoções, uma vontade de que a segunda-feira viesse logo. Era um desejo sutil, no início quase imperceptível, mas que estava lá. Chegava a cogitar a possibilidade de usar o computador de casa para encontrar-se de novo com a moça, mas isso era impensável. Além de o bichinho ser muito lento, Roberto via o perigo de ser visto por Simone. Logo não lhe restava alternativa senão esperar.

Aliás, o sábado e o domingo com a esposa foram terríveis. A mulher só fazia reclamar, acusar, piorar o ambiente, que já não era dos melhores em casa. Ela, nessas alturas, admitia que fizera a escolha errada, que Roberto fora um acidente em sua vida. Agora tinham dois filhos, o mais velho nascera antes do casamento, o que não fora boa notícia na ocasião. À época, haviam encarado a situação com bom-humor, na medida do possível, e haviam também prometido um ao outro que segurariam a barra; sim, sobreviveriam àquele momento. Os pais de ambos ajudariam de alguma forma – e, no final de tudo, o sorriso de uma criança traria encanto à vida. Que importava, então, o que viesse?

Mas, na prática, não fora bem assim. Com o tempo, as circunstâncias foram revelando quem de fato eles eram, e agora – quase oito anos depois – o que se via não animava nenhum dos dois. Simone nunca mais ouvira uma palavra de carinho, de apoio ou de elogio da parte do marido. Este, lá no fundo, não perdoava a mulher pelo filho fora de hora. Teria sido uma armadilha…? Tanta gente pula fora nessas horas, e ele ficara ali, feito um trouxa, sustentando um sentimento que já lhe deixava dúvidas se existia, isso já naquela época… e olha que já haviam superado momentos mais difíceis, de falta completa de grana, daquela ajuda financeira dos pais – cujo olhar de cobrança fazia doer mais que a assinatura de um recibo -, dos dias de calor, de seca intensa, de cólica em recém-nascido, de médicos e remédios, de choros intermináveis forçando mais uma noite em claro e de tudo o mais que você imaginar que acontece – só quem é pai ou mãe é que sabe. Águas passadas…? Talvez, mas as águas do rio não são passado e só morrem na foz. Enquanto isso não acontece, enfrentam novos acidentes geográficos. Isso vai longe, e só de pensar a mente já ameaça entrar em pânico…

Princesa entrou na sala de bate-papo. Roberto, com o nome de “Príncipe”, já havia chegado. Trocaram mais figurinhas. Princesa confessou que era casada, mas havia se decepcionado com o cônjuge – caso semelhante ao do Príncipe -, o que gerou entre eles algo mais em termos de cumplicidade e novas confissões. Em pouco tempo, estavam íntimos. Não demorou muito para que decidissem se encontrar virtualmente outra vez. Poderiam fazê-lo pelo MSN, por ser mais reservado. Criariam endereços eletrônicos específicos só para se encontrarem. E assim se foi, entre confidências, palavras de carinho e aproximações cada vez maiores, que a princesa e o príncipe perceberam que haviam se apaixonado um pelo outro. Ela sentia que o novo amigo era o homem mais gentil com quem havia conversado em toda a sua vida, era “tudo de bom!”. Ele dormia pensando nela. Como seria fisicamente? Seria tão linda quanto suas declarações – tão belas, compreensivas, amorosas…? Chegou a ter medo de pronunciar seu codinome, sem querer, em estado de sonolência, e que isso chegasse aos ouvidos de Simone. Queria dar o número de seu telefone de casa para ela, mas isso também seria muito arriscado. Não estava a fim de piorar com Simone o que já parecia impossível de se tornar pior. Mas a verdade era que estava apaixonado outra vez. Todo homem gostaria de conhecer alguém como Princesa. E toda mulher, até onde se pode imaginar, gostaria de conhecer o seu príncipe. E foi debaixo dessa premissa universal que a coisa se tornou irremediável e decidiram se encontrar, só que não mais virtualmente.

Marcaram na bilheteria de um cinema famoso da cidade. Ela vestiria blusa amarela e calça jeans azul. Ele lhe traria um buquê de rosas. O encontro aconteceria no sábado, às cinco da tarde. Ao lado do cinema havia um café, onde poderiam sentar e conversar livremente. Poderiam também assistir ao filme que porventura estivesse em cartaz, por que não? O importante é que estava tudo combinado, e ele conheceria, enfim, a mulher que tanto o atraíra e o encantara nos últimos dias.

Tudo parecia conspirar a favor. As crianças estavam passando o fim de semana na casa dos pais dele e só voltariam no domingo à noite. Roberto aproveitou-se do fato de que Simone havia ido para a casa da mãe. Com isso, teve mais liberdade para agir – passar um bom perfume, vestir uma roupa legal (havia tanto tempo que não se sentia estimulado a fazer essas coisas), pegar o carro, que, por sinal, havia mandado lavar, passar na floricultura… preparou tudo e seguiu para o cinema. Mas, quando chegou ao local do encontro, preferiu não sair do veículo, visto que chegara antes da Princesa. Enquanto ela não vinha, ele se perdia em mil pensamentos: como alguém poderia decepcionar uma mulher como aquela, tão meiga, carinhosa, amiga, verdadeira…? Que raio de marido idiota poderia fazer infeliz um ser humano que se mostrava tão especial?

Entre o vai e vem de tanta gente, o coração do Príncipe batia acelerado. Alguns compravam o bilhete para a próxima sessão e ficavam por ali, jogando conversa fora. Outros iam para o café. Mas, até então, ninguém vestindo blusa amarela e calça jeans azul havia aparecido. Roberto queria pôr os olhos na Princesa antes de falar com ela – até por questões de segurança, por via das dúvidas. Tudo aquilo poderia ser um trote de internet, nunca se sabe… Até que viu! Ela desceu de um carro, devia estar de carona. Só poderia ser ela, pois usava blusa amarela e calça jeans azul. Era bonita, sim, jovem, atraente, a descrição mais ou menos dada antes batia. Mas havia algo errado. Algo muito estranho. E quando percebeu bem o que via, todo o seu corpo experimentou uma sensação de calafrio. Não ficou mais um segundo no estacionamento. Deu partida no carro e foi embora sem falar com a amiga virtual. No caminho de casa, um sentimento de frustração se misturava ao de culpa, até que suas imaginações se embolaram formando um turbilhão em sua mente. Não entendia o porquê de tudo aquilo ter acontecido.

Uma hora e meia depois, chegava Simone, trazendo no rosto uma expressão triste e frustrada. Olhou secamente o marido e tratou de trocar de roupa. Vestia blusa amarela e calça jeans azul.

por Zazo, o Nego