Duas vidas, duas histórias, dois caminhos, uma realidade

Nada diferente naquele sábado. Tudo igual, não fosse um homem de 30 anos que nos procurou no final da manhã. Perguntei-lhe qual era sua queixa e como podia ajudá-lo. Ele começou a contar o trajeto da sua vida, como no início da faculdade ele experimentou drogas e a partir daí sua vida passa a ser conduzida tendo como base os narcóticos. Sua descrição rica e detalhada do vício me impressiona. Ele conhece o nome das substâncias, as combinações entorpecentes, os efeitos estimulantes. Descreve com detalhes os períodos sintomáticos da abstinência e como ele progressivamente foi utilizando drogas cada vez mais fortes, para suplantar o efeito já insatisfatório. Seu estado geral era deplorável. Suas roupas já não eram – ele vestia-se de trapos! Sua cognição[1] estava gravemente comprometida. O efeito destrutivo que a multiplicidade de tóxicos deixou sobre seu corpo era marcante. Já vi outras pessoas viciadas em situações semelhantes e até piores, mas algo chamou-me a atenção para este homem: a sua consonância com o vício. Ele nem mesmo cogitava a possibilidade de reduzir ou parar de se drogar. Segundo ele, somente desse jeito ele podia viver e ‘curtir’ a vida. Ele estava satisfeito com a situação. A idéia da morte como punição para seu comportamento não parecia trazer-lhe qualquer incômodo. Medicado para asma brônquica se foi, não sei para onde, nem até quando…

À tarde, um outro caso me despertou novamente. Um senhor de 68 anos, de aparência humilde, fácies sofrida e com uma fala respeitosa dirige-nos a seguinte queixa: “Dr, pelo amor de Deus, me dá um encaminhamento para eu começar a tratar com alguém que me ajude a parar de beber”. O aroma etílico era marcante, apesar da aparência e da fala do senhor não ser típica de um ébrio. Ele tinha tomado umas doses de aguardente e resolveu procurar ajuda antes de ficar completamente descontrolado. O encaminhei ao serviço de psiquiatria da prefeitura municipal, que tem um programa para dependentes químicos, contudo resolvi gastar uns minutos a mais com aquele senhor:

– O Senhor quer realmente parar de beber?
– Sim senhor, eu preciso disto.
– Mas o senhor tem que querer, não basta simplesmente ficar transferindo a responsabilidade para o médico. Ele não pode parar de beber para o senhor, não existe um remédio milagroso. O senhor vai precisar de ajuda extra. Já procurou algum grupo de ajuda, como o AA?
– Sim, eu freqüento as reuniões todas as semanas, mas não tem sido suficiente. Eu PRECISO parar.

Duas histórias, duas vidas, dois caminhos distintos, uma realidade única – o vício? Quem sabe? A solidão? Ou um pouco mais… Sobrecarga psico-social? A realidade que estou tratando não é nenhuma destas. Ninguém conseguirá explicar o elemento causal do vício baseando-se apenas no modelo bio-psico-sócio-cultural.

A Bíblia diz que “Assim como o pecado entrou no mundo através de um só homem e com o pecado veio a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram.” [2], de forma que a única alternativa para esta terrível tendência natural, quase genética, instintiva do pecado em nossos corações é a reconciliação com Deus, o retorno ao estado original. [3]

Estes episódios que relatei me fizeram lembrar de um episódio bíblico:

No Gólgota [4], além de Jesus, os dois bandidos que estavam com ele assumiram posturas díspares. O primeiro – culpado – zombava, arrotando desesperança e descrença. Se tivesse que fazer tudo novamente, faria sem pensar, talvez só tomando cuidado para não ser preso!

O segundo – tão culpado quanto o anterior – volta-se para Jesus e reconhece a frivolidade de sua vida e toda a falta de significado havia em si. Sua feição volve-se a Jesus, o personagem central da cena, e lhe solicita algo simples: ‘lembra-te de mim’ … quantas pessoas terminam suas vidas e não são lembradas. São pessoas de sucesso, mas suas vidas não possuem nenhum significado! O ladrão não queria parar de sentir dor ou ver algum milagre – ele queria ser lembrado por Jesus! Ele precisava disto! Ele reconheceu que, se alguém morrendo injustamente – Jesus Cristo, o Justo – pudesse lembrar-se dele, sua vida finalmente teria algum sentido.

As respostas de Jesus aos ladrões da cruz trazem-nos muitas lições de vida: “Eu afirmo a você que isto é verdade: Hoje você estará comigo no paraíso.” [5] e ainda em relação à zombaria do outro: “E Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!” [6].

Problemas semelhantes aproximam as pessoas e as tornam mais hábeis para caminhar. Reunir-se em torno de um problema comum, como o alcoolismo ou a dependência de narcóticos, é muito positivo para a recuperação tanto do viciado quanto da família. Não reside aí, porém, a plenitude e a essência de um tratamento perene.

Somente quando reunimos nossos problemas ao redor de Jesus poderemos ter um tratamento realmente eficaz. É nEle que todas as coisas são restauradas. “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” [7] “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor.” [8]

Não quero tirar o mérito das tantas excelentes iniciativas e dos maravilhosos grupos de apoio aos viciados. Eles são eficazes fortes e realmente trazem resultados positivos e de certa forma, estáveis, restaurando a saúde e restabelecendo a auto-estima perdida. Isto é estável, porém temporal. Morre com o homem. Existe uma restauração mais ampla, mais íntima, atemporal e além-túmulo: a restauração espiritual. E o único capaz de fazer esta restauração de forma completa é JESUS – que promove em nós a transformação bio-psico-sócio-cultural-ESPIRITUAL que é perene e eterno! “Ele nos libertou do poder da escuridão e nos trouxe em segurança para o Reino do seu Filho amado. É ele quem nos liberta, e é por meio dele que os nossos pecados são perdoados. Ele, o primeiro Filho, é a revelação visível do Deus invisível; ele é superior a todas as coisas criadas. Pois, por meio dele, Deus criou tudo, no céu e na terra, tanto o que se vê como o que não se vê, inclusive todos os poderes espirituais, as forças, os governos e as autoridades. Por meio dele e para ele, Deus criou todo o universo.” [9]

Notas:

[1] Capacidade de raciocínio [2] Romanos 5:12 – Bíblia Católica [3] O Pecado faz parte da nossa vida de forma involuntária, porque a Bíblia assim o diz: cf. Rm 3:23, Sl 51:5 “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe.”. Portanto, todos nós somos pecadores, não porque alguém disse ou pelo que fizemos, mas porque Deus diz que somos pecadores. [4] Ou ‘Calvário’ ou ‘Lugar da Caveira’ era o monte onde Jesus foi crucificado. Confira o episódio narrado por Lucas – Lc 23:39-43 [5] Lc 23:43 (BLH) [6] Lc 23:34 – Bíblia Católica [7] Romanos 11:36 (ERAB) [8] Lc 4:18-19 (ERAB) [9] Colossenses 1:13-16 (BLH)