Tomou doril… sumiu!

“Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza.” Tiago 4:9

Quem tem a minha idade certamente vai lembrar dos fatos seguintes. Nos anos 80 e 90, um analgésico brasileiro ganhou fama e popularidade graças a uma campanha publicitária vitoriosa. Seu slogan era simples: “Tomou doril, a dor sumiu”. A frase simples, com rima primária transmitia um pensamento igualmente simples, mas de modo eficaz: se você está sentindo uma dor, temos o analgésico para você! O slogan deu tão certo que “tomar doril” acabou virando sinônimo de “sumiu”. Por onde anda tal pessoa? Não o vejo há muito tempo! Tomou doril!

A brutalidade do caso Nardoni comanda o noticiário há quase um mês. E a epidemia de dengue no Rio de Janeiro? Tomou doril. Os preços dos alimentos dispararam no mercado internacional e a Europa diz que a produção de biocombustíveis é a responsável. O aquecimento global? Tomou doril. Um padre saiu voando em um monte de balões e fica perdido sem saber usar o próprio aparelho de GPS. Deu até na CNN. Dois bispos denunciam pedofilia e prostituição infantil no norte do Brasil e têm suas vidas ameaçadas. A divulgação do caso? Tomou doril.

Antes de seguir lendo este artigo entenda: não tenho sangue de barata – também fiquei comovido com a morte da Isabella. Penso que utilizar milho para fazer etanol é uma imbecilidade. Sair voando em balões não tem nada a ver com protesto – é querer aparecer! Portanto o leitor já sabe bem quais são as minhas opiniões a respeito dos assuntos. Meu ponto neste texto é: até que ponto nós cristãos temos dado atenção à notícia da moda e “dado doril” para outras notícias que não nos interessam discutir?

Já ouvi muito discurso teológico sobre se o sustento do obreiro ou missionário deve ser ou não um valor fixo mensal (como se fosse um salário). Ouvi muitas alegações de que o missionário não deve ter um salário senão ele não vai “viver pela fé”. Mas poucos pregadores persistem no estudo das Escrituras e apontam como “a fé” precisa gerar responsabilidade nas lideranças eclesiásticas em prover o sustento daqueles que são enviados para o campo missionário. Aliás, “viver pela fé” pode ser pregado. “Responsabilidade com os obreiros” tomou doril.

Meu ouvido já deu calo de ouvir sobre comprimento de saia, uso de brinco, se pode usar violão na Ceia ou bater palma na reunião de mocidade. Quanto à maledicência, desonestidade e sonegação fiscal os pregadores preferem tratar do assunto no “âmbito individual”.

Recentemente um pastor iniciou uma série de pregações sobre o livro de Atos. Sugeri que ele abordasse algumas escolas de pensamento, principalmente quando tratasse sobre o ministério do Espírito Santo. Ele me disse que na pregação não havia tempo para isso e que o estudo das escolas de pensamento seria feito na Escola Dominical. O que aconteceu na prática é que na Escola Dominical a aula (meramente expositiva) só ratificou a única interpretação dada na pregação, deixando os ouvintes surdos para as outras escolas de interpretação, como se o povo de Deus fosse incapaz de ouvir várias linhas de interpretação e deixar a cargo do Espírito Santo o discernimento daquelas dignas do preceito da plausibilidade. “Na minha época, teria tempo, mas vocês vivem em meio a tanto progresso…”[1]

“Tomar doril” desliga o alerta da dor no nosso corpo. Mas se o corpo está alertando não seria porque existe alguma coisa de errado? Não seria mais prudente e inteligente procurar e solucionar o problema antes de desligar o alerta?

“Afligi-vos, lamentai e chorai.” Esta é a atitude que se espera do povo de Deus diante do pecado individual e coletivo. Se tivesse que traduzir estas expressões no contexto deste artigo, diria assim: “não tome doril”. Não deixe sumir a dor causada pelo pecado até que ela produza arrependimento, mudança de atitude redundando em fruto para a vida eterna. Ignorar a dor não é o mesmo que não ter um problema. Assumir responsabilidades, portanto, implica em tomar atitudes mais dolorosas e chorosas do que os sorrisos de programações animadamente alienadas na igreja.

Portanto, meus irmãos, quando diante de dificuldades ao nosso redor, precisamos resistir à tentação de simplesmente “tomar doril”, apesar desta via nos parecer a mais cômoda.

Forte abraço!!!

OBS.: Espero não “tomar doril” desta coluna nos próximos 10 anos de irmaos.com!!! Me alegro muito por fazer parte desta família.

Notas:

[1] Peter Kreeft – Sócrates e Jesus – o debate