O Verbum se fez carne

“E o verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”. (João 1: 14).

Verbum é a palavra do latim que significa palavra falada, diferente de scripta que significa palavra escrita. O tradutor da Bíblia, João Ferreira de Almeida, usou um latinismo para traduzir a palavra grega lógos, ou seja, tomou uma palavra do latim, idioma de elevado conceito em sua época, para tentar expressar o sentido da palavra logos no português. Infelizmente, muitos desconhecem esse fato e interpretam a palavra verbo no sentido moderno na língua portuguesa (classificação morfológica que indica movimento, estado ou fenômeno da natureza).

Lógos é uma palavra com conceito riquíssimo, dificilmente se conseguiria traduzir seu complexo conceito em uma palavra. O tradutor optou por um aspecto de lógos.

Na filosofia grega, lógos trazia o conceito de uma força que ordena, governa e cria todas as coisas no universo. Para eles, o lógos seria a “alma” do universo, sem o lógos o universo seria um caos, sem vida.

No judaísmo, o lógos era a palavra falada, que tinha em si mesma o poder de criar, fazer, realizar coisas. No Velho Testamento, essa palavra foi usada em passagens que nos mostram tal sentido, ex.: “A Palavra de Deus é fogo consumidor” (Dt 4: 24); “Por minha Palavra fundei a terra…” (Is 48: 13); “Não é a minha Palavra fogo e martelo que esmiúça a penha?” (Je 23: 29). Além do mais, não podemos esquecer o relato de Gênesis sobre a criação, a qual pela Palavra de Deus foi feita.

João, o autor do evangelho, conhecendo tanto o conceito grego como o conceito judaico, usado na tradução do Velho Testamento grego e também na tradução do Velho Testamento aramaico, apresenta Jesus Cristo, o Filho de Deus, como Lógos. Contudo, sua descrição do Lógos é mais abrangente, pois o apresenta como uma pessoa, um ser eterno que se tornou humano a partir de um nascimento virginal e que veio com um objetivo específico, salvar os homens dos seus pecados e de suas conseqüências.

Ao apresentar Jesus com essa roupagem, João toca a mente dos gregos destruindo todo o panteão e exaltando, pela razão, a existência de um ser supremo, criador de todas as coisas. Além disso, desvia os judeus da visão de um Messias que viria reinar em Jerusalém e restabelecer o reino davídico a Israel. A Palavra de Deus, poderosa e eficaz, está agindo com poder transformador, recriando o homem, plantando nele uma semente regeneradora, formando um povo zeloso e de boas obras. A partir disso fica claro o objetivo do evangelho, o qual não é formar um novo Israel com as mesmas promessas políticas e de prosperidade da velha aliança, mas um Israel espiritual, dotado do Espírito de Deus, peregrino nesse mundo e esperançoso de uma pátria celestial onde habita a justiça e tem a presença do próprio Deus no meio dela.