Acesso à graça e a graça do acesso (2)

Acesso à Graça e a Graça do Acesso – o desenvolvimento da salvação pela graça de Deus (Parte 2)

Pensando na consciência tranqüila e serena, na paz de espírito que terminei o artigo anterior, enxergo que há três tipos de pessoas que podem desenvolver uma serenidade de consciência:

a. hipócritas (fariseus) – que acham que a conseguem pelo muito fazer – esforço. Jesus condenou basicamente a religiosidade farisaica quando os chamou dehipócritas. Eles gostavam de fazer e de exigir que se fizesse para obter a graça da salvação de Deus. A religiosidade nos afasta da graça de Deus, pois olhamos para a institucionalização (para as nossas grandes obras!) como sendo o caminho para Deus – não é. Jesus era e é o único!

b. pecadores (corações ainda endurecidos) acham que não precisam dela. Há tantos que não reconhecem que são pecadores, que precisam de Deus – sem este reconhecimento não conseguirão entender ou ser alcançado pela graça de Cristo.

O terceiro tipo que consegue entender a graça de Deus é o que encarna o princípio de Deus e que apesar do desassossego do seu coração, da dor que envolve sua alma e mente quando peca (e peca!) consegue ter uma consciência tranqüila – responde com fé (confiança) à vontade de Deus, através do Espírito, e é levado a uma vida de graça na qual a sobrevivência não depende de seus esforços, mas de uma resposta ao que Cristo coloca em nossa vida – esperança de transformação.Esse (essa) vive no limiar da dor em seu coração e na alegria de pensar que Deus, em Cristo, através do Espírito, acha digno usar estes vasos, imperfeitos como são, como canais de sua graça abundante.

Uma grande amiga recentemente questionou se Deus é capaz de nos amar, mesmo nossa vida sendo como é – pecadora, imperfeita, feita de dúvidas e questionamentos, muitos dos quais nunca serão resolvidos. Acho que essa é a grande pergunta que cada um de nós faz a si mesmo (e a Deus, se tivermos ousadia e coragem de ir até Ele com este questionamento!).

Não precisamos ir longe: não há nada que eu possa fazer, pensar ou deixar de fazer que leve Deus a me amar mais ou menos – o amor de Deus é incondicional – isso não quer dizer que eu devo viver de qualquer jeito, mas o amor dele deve me constranger ao ponto da minha vida ser transformada sempre em direção ao Senhor Jesus.

Para que isso ocorra é necessário ter acesso à graça de Cristo – esta é a palavra chave (acesso) para entendermos esse processo da graça sobre nós.

a. nossa salvação tem origem em Cristo, por meio de quem temos ACESSO à vida da graça de Deus; sem este acesso a graça não chegaria até nós. Cristo é o caminho de Deus para nós e o nosso caminho de volta pra Ele. Ele é nosso acesso a Deus.

b. é por meio desta graça que temos ACESSO à firmeza necessária para continuarmos a viver com Deus. Juntamente com a salvação Ele nos dá o Espírito como selo e penhor da herança (como Paulo argumenta aos Efésios) – esse Espírito, que perscruta as profundezas do ser do próprio Deus é que nos dará segurança de que seremos realmente transformados por Ele no futuro.

Esta segurança é transmitida a nós através da esperança da glória de Deus – nosso presente é baseado na graça de Deus, assim como nosso futuro e a alegria e transformação que esta por vir a nós – e tudo isso depende de Deus, pois é sua graça que fará tudo em nós – por isso temos esperança na glória de Deus.

Apesar do ensino moderno de que o esforço de nossa parte, através de uma vida reta, santa e sem defeitos é o produtor de uma verdadeira vitória e que sem essa vida cheia de sacrifícios não há certeza do futuro e nem do presente…

Apesar disso Paulo nos diz que é Deus nossa esperança e seremos transformados na sua imagem, porque Deus mesmo nos fez participantes de sua natureza (corpo de Cristo).

E não somente isso – aqui Paulo então sai da certeza da Justificação pela fé, da nossa salvação em Cristo para nos mostrar como é desenvolvida esta salvação:

1. a salvação começa na cruz, mas não tem o seu fim lá

2. a salvação é apresentada a nós pela fé no dia de nossa conversão, mas tudo isso é o início e não o fim da vontade de Deus

3. a salvação de nossas almas não é o objetivo principal de Deus – Deus sempre tem como alvo último a sua glória e isso implica na redenção não só do ser humano mas de toda a sua criação.

A salvação precisa ser desenvolvida porque senão será atrofiada e, portanto, deixará de ser salvação para ser apenas uma semente que foi lançada num terreno com pouca profundidade: irá secar, murchar e morrer.

Como nossa salvação é desenvolvida?

1. Tribulações – este é o primeiro item que Deus se utiliza para desenvolver nossa salvação – a tribulação produz paciência (perseverança).

As Tribulações (ou provações) é que irão produzir o primeiro passo no desenvolvimento de nossa salvação – a paciência.

Mas se a Tribulação produz em nós murmuração; desconfiança; medo; dor; choro; rancor; incertezas; etc, como é que a tribulação pode então produzir desenvolvimento da salvação?

Calvino diz que “quando aquela submissão interior que é infundida pelo Espírito de Deus; e aquela consolação que é comunicada pelo mesmo Espírito, assume o lugar de nossa obstinação, então as tribulações, as quais, na teimosia, só podem produzir indignação e descontentamento, tornam-se meios de gerar paciência” (João Calvino, Romanos, página 179).

Quando a obediência toma lugar em nossos corações e então anulamos nossa vontade para fazer a vontade de Cristo; quando o morrer para nós é lucro; quando ouvir a voz do Espírito ao invés da voz do mundo é o que ansiamos, então a tribulação é fonte de desenvolvimento e não de tristeza em nós.

2. Paciência (perseverança) – que tipo de paciência?

Quando nós, por causa da proteção garantida de Deus, perante as tribulações, mesmo no meio de muito sofrimento e dor, conseguimos – confiados no seu auxílio – suplantar as dificuldades.

Quando há obediência a tribulação produzirá um tipo de paciência, não uma letargia que faz com que o órgão não sinta dor, mas uma prova do amor divino em nossas vidas, mostrando que não somos como os fariseus ou pecadores, que são insensíveis. Ao contrário, somos sensibilizados pela atuação do Espírito Santo e diante das tribulações que nos assaltam permanecemos firmes, o que vai gerar em nós a experiência.

3. Experiência – conhecimento experimental e não apenas um conhecimento intelectual.

A paciência gera em nós experiência, que na verdade deveria ter sido traduzida como MATURIDADE – o passar pelas tribulações sem que haja submissão à vontade de Deus não produzirá maturidade. Ao contrário, haverá paciência que gera a experiência.

4. Esperança – uma certeza que não se confunde com a dúvida, pois é uma certeza que vem de Deus.

Esta certeza que nunca estaremos sem a graça de Deus é gerada pela tribulação assumida pela submissão do crente ao Espírito Santo, que por sua vez produz a paciência que antecipa a maturidade – no meio de tudo isso, o que nos manteve firme é a certeza de que a Graça de Deus está conosco – “Deus não deixa vir sobre nós tentação (provação, tribulação) que não temos condições de suportar” (Paulo aos Coríntios) justamente porque há a esperança de que a Graça de Deus estará sempre conosco.

Mas “as boas coisas que Deus preparou para aqueles que o adoram estão ocultas dos ouvidos, dos olhos e das mentes dos homens e tão somente o Espírito é quem pode revelá-las” (João Calvino, Romanos, página 181).

O “amor de Deus é derramado em nossos corações” (v.5) justamente para fazer isso – para nos fazer crescer, dar maturidade à nossa existência e nos mostrar o verdadeiro fruto do Espírito que não pode ser visto pelos olhos, percebido pelos ouvidos ou experimentado pela nossa mente sem que antes nos seja revelado pelo Espírito Santo – e ele o faz através da nossa vida com Deus, através das muitas tribulações e provações que nos sobrevém com o intuito de nos fazer crescer.

O objetivo último de Deus em nossas vidas ao nos dar tão grande salvação é glorificar seu próprio nome através do nosso crescimento em maturidade que é o aparelhamento de nossa vida para nos transformamos em pessoas mais parecidas com Jesus Cristo.

Para colaborar com as idéias, Tiago em seu livro diz:

Meus irmãos considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma.

Em Atos 8.1 vemos uma perseguição grande iniciada por gente como Saulo que desejava varrer a Igreja do mapa perseguindo, prendendo, matando e levando para longe de suas casas homens, mulheres e crianças que saíam de Jerusalém, numa igreja tipicamente judaica, perseguida pelos próprios judeus e também por Herodes.

Herodes aproveitou que os judeus não gostavam da igreja e pegou firme na perseguição, mandando matar alguns e prender outros. Depois desta perseguição, cristãos foram espalhados por toda parte e é pra esses, perseguidos e atormentados por tantas dores e sofrimentos, que Tiago resolveu escrever sua carta.

Tiago trata da FÉ, não no sentido da salvação (a fé apenas como dom que vem de Deus de forma gratuita e que salva o ser humano) ou de uma crença, mas olhando para uma vida de fé, um modo de viver que é gerador de transformação tanto no próprio cristão como ao seu redor, em seus relacionamentos.

Alegria por causa das provações – literalmente alegria aqui significa “apreciar o sofrimento”. Parece insano gostar de sofrer e não é realmente isso que o texto está sugerindo, mas sim o pensar com alegria que no meio dos sofrimentos Deus sabe o que está fazendo. Há um propósito para o sofrimento e a concretização deste propósito é que deve nos causar alegria.

Provações – a palavra aqui significa “testar de modo definitivo” e é algo que Deus está colocando a nossa disposição, um teste definitivo que provocará em nós uma modificação, uma transformação de caráter.

Ser provado com alegria (contentamento porque Deus sabe o que faz) tem duas implicações práticas aqui:

1. Mostrar um caráter cristão verdadeiro

2. Produzir maturidade em quem passa pela provação

A prova da fé produz perseverança – Pedro em sua carta diz que a provação da fé e a devida perseverança é o caminho natural da salvação para se obter a herança de Deus (1 Pedro 1). Paulo por sua vez diz que a provação da fé produz perseverança que se transforma em um caráter mais maduro (Romanos 5).

Tiago, falando a mesma coisa, diz que a provação da fé produz perseverança.

Então, o que devemos apreender aqui é que o centro da provação não é o sofrimento e sim a perseverança.

Perseverança – a palavra usada aqui significa dar continuidade a uma ação após intenso esforço. A provação (sofrimentos ou tentações) é dada por Deus a nós não para que a perseverança apareça, mas para que ela seja desenvolvida.

Ou seja, é a prática de perseverança no meio da provação que nos ensina a ser mais perseverantes e conseqüentemente a termos um caráter cristão melhor e mais maduro.

Para que – a resposta à questão da provação, do sofrimento e da dor, não à pergunta POR QUÊ, mas para que – indica aqui uma finalidade – a fim de.

Perfeitos – literalmente a palavra aqui é maduros. Deus, a nos deixar em meio a sofrimentos, dores e provações é para que sejamos amadurecidos. Para que sejamos perfeitos (maduros) e íntegros em nada deficientes.

A vida cristã é repleta de problemas por resolver – alguns problemas emocionais, outros problemas relacionais, problemas financeiros, problemas de saúde, problemas de toda a espécie. Eles vêm sem convite e raramente vêm sozinhos. A pergunta é: o que fazer com eles?

Cristãos comprometidos com a maturidade cristã devem encarar os problemas em sua vida de forma diferente – não como problemas em si, mas como oportunidades para crescer e testemunhar para outros a respeito da fé transformadora.

Assim, proponho 3 atitudes que devemos aplicar em nossas vidas a partir das provações que nos surgem:

1. Não deixar que a rebeldia tome conta de nossas atitudes olhando para os problemas como fonte de irritação e que devem ser confrontados com atos de ira e raiva, explodindo sem sentido e deixando com que eles (os problemas) contaminem outras pessoas;

2. Não deixar que a murmuração e a queixa tomem conta de nossa vida, pois isso provocará em nós (e em outros) desânimo e trará um caminho de desistência sobre nossas vidas e conseqüentemente de outros. A murmuração, a queixa sem propósito e o desânimo trarão sobre nós perda em nossa auto-estima e amor próprio, causando depressão e imaturidade.

3. Deixar que o exercício da fé cristã em meio aos problemas que a vida tem seja um fator de perseverança que causará em nós maturidade e que proporcionará um terreno fértil para o discipulado de pessoas novas na fé.

Que Deus nos abençoe.