A Noiva II

Leia antes: A Noiva I

Amigos, uma coisa precisa ser dita: existe mesmo uma penca de pastores de cabra, gente falsa, de um mau caráter a toda prova. Qualquer um agora pode se autoproclamar pastor, bispo, presbítero e apóstolo. Faz lembrar o filme dirigido e estrelado por Robert Duvall, “O Apóstolo”, onde um sujeito, depois de cometer um crime passional, se autobatiza e se autodeclara “apóstolo em nome de Jesus Cristo”.

Oh! Senhor! Como se não bastassem as dores da cruz, o esvaziamento até chegar a um corpo humano, a rejeição das pessoas, ainda tens que suportar esse gente falando em Teu santo nome e se fazendo de enviados, de classe especial, de categoria elevada? Cada vez compreendo menos o tamanho e o valor da Tua misericórdia! Como o Senhor consegue suportar tudo isso?!

Já fiz um questionamento franco àqueles que se declaram superiores em Apóstolos do Século XXI. Como é possível que alguém com o mínimo de conhecimento das Escrituras se submeta a líderes dessa estirpe? Bem, isto será o assunto do artigo seguinte.

Por ora, basta questionar alguns pressupostos do Cristianismo.

Primeiro, vamos deixar uma coisa clara: esta distinção entre “cleros” e “leigos”, que coloca “pastores”, “bispos” e “presbíteros” da igreja numa classe superior e inquestionável não é bíblica. É resquício da ditadura católica. Não existe uma única pessoa em todas as Escrituras que tenha sido chamada de “Pastor”, no singular, além do Senhor Jesus Cristo. Esta classificação equivocada acabou jogando por terra a doutrina do sacerdócio universal dos crentes. Somos todos “sacerdotes”, não apenas aqueles que foram ao seminário para serem então ordenados como tais. Sacerdócio é uma condição de todos os cristãos, não o privilégio de uma meia dúzia de iluminados (1 Pedro 2:9). A todos os cristãos, indistintamente, foi concedida a unção do Espírito Santo, os dons espirituais, o acesso ao trono da graça de Deus, a liberdade da interpretação bíblica e todos os outros direitos da fé. Enquanto continuarmos a fazer uma diferença que Deus não faz, continuaremos correndo o risco de ter pessoas que acreditam mesmo que são superiores. Não tenho dúvidas de que estes equívocos que a Reforma não eliminou são a origem de muitos abusos cometidos até hoje em nome de Deus.

Não se deve negar que existem funções diferentes na igreja. Deus delegou a autoridade para dirigir a Igreja a homens chamados para este fim. O governo da igreja deve ser respeitado, como toda autoridade instituída por Deus. Conheço bem igrejas que não fazem esta distinção de clero e leigo, mas que pecam pelo outro lado: ninguém respeita seus líderes espirituais. Todo mundo é tão igual, que vira uma bagunça. As duas coisas são erradas. Tanto os que endeusam seus pastores como os que não os respeitam.

Segundo, entenda definitivamente este conceito: presbítero=pastor=bispo. Estes termos referem-se às mesmas pessoas, não a uma ordem hierárquica dentro da igreja. Quando Paulo chamou os “presbíteros da igreja em Éfeso” (Atos 20:17) para uma conversa, ele chamou estes mesmos homens de “pastores” e “bispos” (At 20:28). Quer dizer, tratava-se dos mesmos líderes. A diferença entre um termo e outro não é o nível de comando, mas o aspecto diferente da sua missão de guias do rebanho. “Pastor” refere-se ao cuidado com o rebanho. “Presbítero”, que significa “ancião” ou “uma pessoa madura” refere-se à necessária experiência de fé que um líder na igreja deve ter. “Bispo” significa “supervisor”, “aquele que enxerga mais longe”, qualidade que se espera de um guia do rebanho. Só isso. Nada além disso.Também não há base para mulheres assumirem função de liderança na igreja. Nunca houve “bispas” nem “pastoras”. Esta função biblicamente cabe aos homens.

Porém, consideremos uma terceira questão: a partir da premissa errada que consideramos acima, estruturas são montadas para legitimar a apropriação indébita que se anda fazendo, desde os tempos apostólicos, do rebanho de Deus. Passa-se a confundir autoridade com propriedade. Alguns pastores acham que são donos das ovelhas, ao invés de limitarem-se ao papel que lhes foi confiado de guardadores, protetores e guias das ovelhas que, efetivamente, pertencem ao Supremo Pastor. Venderam a ideia de que o “pastor” é autoridade máxima na vida de uma pessoa e que, por esta razão, o cristão deve obediência cega a ele, sem direito de questionar nem de discordar. Mesmo que o questionamento seja da sua conduta ética, moral ou teológica. Voltamos ao tempo em que se dizia “Roma locuta, causa finita”. Ou seja, se Roma disse que é assim, assunto encerrado. A ideia errada de infalibilidade do Papa está fazendo escola em muitos círculos evangélicos. O “pastor” virou o detentor de um poder e de uma sabedoria que só ele tem. Se for bispo, aumenta ainda mais a amplitude. Se for “apóstolo” então, sai de baixo. Usando textos fora do contexto, que pertencem ao Velho Testamento, alguns “ensinadores” consideram o pastor como o “ungido de Deus”, que não pode ser tocado nem questionado, alguém que foi apontado por Deus para um cargo vitalício, ao qual passa a ficar visceralmente ligado, com todas as prerrogativas sobre a vida, as decisões, os alvos e o dinheiro (especialmente o dinheiro!) das pessoas. Não importa o que aconteça. Uma vez Flamengo, sempre Flamengo. Uma vez apóstolo, sempre apóstolo. Quem sabe até passa-se a postular uma vaga para arcanjo ou semideus.

É por esse motivo que pessoas inescrupulosas, que se aproveitam do cargo que ocupam para explorar igrejas e finanças, ainda são defendidos ardorosamente por seus seguidores. As pessoas passaram a consultar o pastor ao invés de consultar a Palavra de Deus. Passaram a perguntar o que eles acham ao invés de orar. E seja lá o que eles falarem, é o que vai ser feito. Sem análise, sem discernimento, sem bom senso, sem critério.

Mas não foi para isto que Deus estabeleceu na igreja os pastores. Foi, antes, para alimentar, cuidar, conduzir, levar o rebanho à maturidade. O conceito de submissão é correto e bíblico, mas o conceito de únicos donos da verdade não é. Não há mais ungidos de Deus no sentido que havia no Velho Testamento. Na igreja, os critérios para se estabelecer o governo da igreja local são bem diferentes. As cartas apostólicas contem os critérios para isso. Há traços de caráter, de dons específicos, de habilidades necessárias para uma pessoa ser apontada como presbítero/bispo/pastor de uma comunidade. Se é verdade que entre esses critérios não há qualquer obrigatoriedade de se cursar um seminário, muito menos de ter uma formação em psicologia (como querem alguns exigir agora), existem exigências muito mais práticas, que são sumariamente ignoradas por igrejas e fieis. Por exemplo, o apóstolo Pedro, apóstolo de verdade e de direito, disse que o presbítero não poderia ser ganancioso, isto é, não deveria ser apegado ao dinheiro e nem usar sua função com esta finalidade (1 Pedro 5:2). A seguir, determina que eles não podem ser dominadores do rebanho, antes devem ser servos modelo (1 Pedro 5:3). Bem diferente do que se anda vendo por aí, no atual “modelo de gestão” de boa parte das igrejas contemporâneas.

A pergunta que fica é: quem aceita este tipo de liderança e a ela se sujeita inteiramente é vítima ou é culpado? Será correto dizer que os pastores que agem e ensinam assim são os únicos responsáveis pelos abusos que cometem? Ou haverá alguma responsabilidade também da parte daqueles que vão atrás deles? O que a Bíblia teria a dizer a respeito?

Estas são cenas dos próximos capítulos.