Caminho sem volta

Era sexta-feira, quatro da tarde, a hora mais esperada dos últimos seis meses para minha personagem Fernanda. Desde que soubera do seminário, não conseguia pensar em outra coisa. Pediatra, e das melhores, inscrevera-se no fórum, que aconteceria num auditório do Centro de Convenções de Brasília. Para ela, o evento era imperdível, especialmente por conta de uma palestra a ser ministrada. Assunto: TDAH.

Se o leitor não entende a sigla, não se aflija, pois, salvo engano, é matéria recente, assunto de estudos modernos. Vou diminuir seu trabalho de pesquisar na internet e dizer que significa “Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade”. Para nós basta saber que esse era o tema que atraíra a moça. O mais era de menor interesse, porém aquela palestra valia a pena. Você já passou por uma situação como essa, de estar muito interessado em algo prestes a acontecer? Se a sua resposta for “sim”, então continue lendo. Caso contrário, está liberado.

Pois bem, lá estava Fernanda, sentadinha, esperando um início de preleção que já se configurava. Auditório cheio. Todos aguardavam um especialista no assunto que vinha do Rio de Janeiro. Bem nesse momento, seu telefone, que estava no silencioso, começa a vibrar.

De cara, não quis atender. Mas o bichinho não parava… não parava… não parava… tirou–o do bolso e apertou aquela tecla que os aparelhos mais antigos chamavam de “end”. Maravilha!… Do outro lado, alguém deveria ouvir uma voz robótica a dizer: “Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens e estará sujeita a cobrança após o sinal”. O alívio durou pouco porque o telefone voltou a tocar, digo, vibrar. “Puxa, vida, logo agora… será que é coisa urgente…? Deveria ter desligado… esse negócio de deixar no silencioso…”. Leitor, você já se arrependeu de não ter desligado o celular alguma vez na vida? Se a resposta for sim, continue lendo. Caso contrário, fique livre para largar a leitura por aqui mesmo. Pois então, na dúvida entre atender ou não à chamada, Fernanda achou prudente sair do plenário o mais discretamente possível, torcendo para que a pessoa desistisse.

Não desistiu. Era Flávia, uma companheira de oração e de lutas, daquelas pessoas que você encontra uma única vez na vida, que tem tudo a ver com você e que se torna um tipo de companheiro. As duas oravam pelas pessoas, montavam grupos de estudo bíblico, evangelizavam, enfim, eram muito amigas. Leitor, você conhece alguém assim? Se sua resposta for “não”, então me agüente mais um pouquinho.

É que aquela não era hora para Flávia. A palestra já estava acontecendo, e a pediatra, conquanto não admitisse exteriormente, queria livrar–se da amiga. Tentou explicar que estava num momento importante. Na ponta da linha, a outra parecia não entender. Falava que estava ligando por causa de uma tal Dona Esmeralda. “Mas quem era Dona Esmeralda?” Era a mãe de uma colega de Flávia, gente do trabalho dela – a “dona menina”, como se diz em bom mineirês, tava com depressão, nem se levantava da cama. Ruim mesmo o estado da “dona”; mas Flávia lhe falara de Fernanda, do grupo de estudo bíblico, das orações, e a colega pedira às duas que fossem lá. Daí a pergunta crucial: “Mas, Flávia, quando é pra gente ir lá?”. E a resposta nua e crua: “Agora!”

Essa última palavra veio como que um corte na alma, e foi de lá que o sangue começou a jorrar. Agora? Tinha de ser justamente agora? E do jeito que Flávia pronunciara a palavra, a coisa soara do tipo “agora ou nunca!!!”, com direito a três pontos de exclamação. Seguiu-se um silêncio de uns treze segundos, tempo que, ao preço de celular, sai caro. Leitor, você precisa interromper o que está fazendo exatamente agora? Alguém está chamando ao telefone? Sua cara-metade lhe cobra a presença – ou filho, pai, mãe, vizinho, chefe…? Se precisar sair, use esses mesmos segundos, mas depois volte. Eu espero por você aqui, nesta mesma página.

– Fernanda…?

– Hum…

– Que foi? Cê tá muito ocupada?

– Flávia, eu tô numa palestra sobre TDAH. Eu tava doida pra ouvir alguma coisa sobre esse tema. Eu tô estudando esse negócio…

– Fê, eu deixo com você. Mas eu acho que, se a gente não for lá agora, nem precisa ir mais. O irmão da minha colega vai levar a mãe pra Uberlândia, amanhã cedo. Daí, ninguém sabe. Minha colega pediu pra a gente não ir à noite. Cê pensa e me liga. Eu também não quero que você perca o seu seminário aí, mas… fazer o quê?

– Onde é que é a casa dela?

– Em Taguatinga.

As apresentações sobre TDAH iriam até às seis e meia. Nessas alturas, já deviam ser umas quatro e dez. “Quem sabe…?”

Difícil, mas tomou a dura decisão de ir.

Do auditório para o estacionamento; do estacionamento pro carro; do carro pra Flávia; de Flávia pra Taguatinga – seria um caminho sem volta? – o Centro de Convenções foi ficando cada vez menor. Mas, lá no fundo do coração, Fernanda guardava uma esperança de voltar e, talvez – talvez mesmo – pegar o finalzinho da apresentação. Ou, quem sabe, um panfleto, um contato, uma conversa de cinco minutos com o palestrante – qualquer informação à qual pudesse agarrar-se.

Entre Taguatinga e o Centro de Convenções vai uma boa distância, possivelmente a mesma que houvesse entre a vontade de Fernanda e a realidade daquele momento. Você já viu sua vontade ficando cada vez menor?

Não sei dizer quando foi que Fernanda e Flávia saíram de Taguatinga. Nunca vi a Dona Esmeralda nem sei do seu destino. Também não sei se Deus, em sua infinita bondade, já repôs um seminário de TDAH para minha personagem quase fictícia. Mas esse episódio deixou nela e em mim duas impressões: uma, de que naquele dia, não era mesmo para haver qualquer espécie de déficit de atenção; outra, de que Deus ama muito pessoas na situação da Dona Esmeralda. Por via das dúvidas, leitor: você conhece alguma “Dona Esmeralda” na vida?

por Zazo, o Nego