Coisa de louco

Anos atrás, quando trabalhava com livraria evangélica, conheci um senhor, engenheiro elétrico, inteligentíssimo, conhecedor da Palavra, e de bom papo. Toda semana ele passava na livraria para bater papo e levar algum livro. Pouco a pouco começamos a perceber nuances de alguns distúrbios de ordem psiquiátrica (belo eufemismo para um cara que está ficando pinéu). Mas nada que comprometesse nossa amizade e longas conversas. Afinal, “de médico, poeta e louco, todos nós temos um pouco”. (No meu caso específico, as veias médica e poética sempre foram meio entupidas, restando, portanto… bem, você sabe qual.) Ele era daquele tipo que quando chegava alguém para ser atendido, logo dizia: “Pode atender, eu não estou com pressa”. E ia ficando…

Numa bela manhã de sábado ele apareceu completamente apavorado, olhos estalados de quem não dormia há alguns dias e, quase em desespero, dirigiu-se a mim, dedo em riste, e ordenou: “Marcos, chegou a hora. Estamos inaugurando uma nova dispensação. Tire essas Bíblias da prateleira, porque a partir de agora elas não estão valendo mais. Me dê só um exemplar. Eu vou me esconder um tempo para re-escrever o que está errado e depois eu trago para você publicar uma nova edição da Bíblia para esta nova época.”

Percebi logo que não adiantaria argumentar. Era melhor perder uma Bíblia da prateleira do que perder o dia inteiro. Dei-lhe a Bíblia. Cinco minutos depois, uma ambulância e um carro de polícia pararam lá à sua procura. Eu já tinha entendido tudo. Com muita pena daquele jovem senhor, cheguei à única conclusão possível para o acontecido. Ele tinha ficado doidinho da Silva. Hoje está melhor. De vez em quando o encontro na rua, ele conta (acanhado) do tratamento que vem fazendo.

A história acima é verídica. Ela não deixa de ter um lado meio cômico, embora seja intrisecamente muito triste. É fácil tirar uma lição desta tragédia: só um desvairado tenta “des-dizer” o que Deus disse.

Só que tem muita gente que se diz normal fazendo a mesma coisa. Tem os céticos, os racionais, os ateus. Tem os TJ`s, e os teólogos liberais. Tem as seitas heréticas, tem a mídia e um monte de professores universitários. Tem os apóstatas.

Mas há maneiras mais sutis de se fazer a mesma coisa. É só você ver o que tem de gente mudando as traduções da Bíblia e evocando as tais “línguas originais” para dar um sentido completamente diferente ao que Deus falou. Ele fala “água”. É, mas no original, “água” é “pedra”, então o texto não diz “água”, diz “pedra”. Aí você vai consultar alguém que conheça as línguas originais e ele diz que a palavra pode ser água, pedra, chuva, rio e mais trinta possíveis traduções. E aí, você escolhe aquela que dá a base que você quer para a “sua” doutrina. Cuidado! Você pode estar fazendo exatamente o que meu amigo quis fazer no auge do seu desequilíbrio mental.

Longe de mim sugerir com isso que o conhecimento das línguas originais ou do sentido das palavras não seja importante. O problema é manipular este conhecimento da maneira que nos favoreça. Precisamos simplesmente ouvir o que Deus disse e pronto. Não precisamos reinventar a roda nem reescrever a Bíblia. Muito menos para justificar o que a gente mesmo inventou ou não gosta.

Com todo o respeito, isso é coisa de louco.

Pensando bem:

“Você não precisa ser talentoso para ser obediente. Basta obedecer.” (Charles Swindoll)