O tição tirado do fogo

Zacarias 3:1-10

Uma reflexão sobre o amor de Deus e a Obra da Salvação

Um breve contexto histórico

Zacarias foi um profeta pós exílico. Foi contemporâneo de Ageu. Estes profetas exerceram seu ministério na província de Yehud. A província de Yehud foi o que sobrou do reino de Judá. Era uma pequena província com 55Km de norte a sul e 65Km de leste a oeste (Meyers & Meyers 1987)

Havia uma tensão constante entre aqueles que haviam retornado do exílio e aqueles que não haviam sido exilados. Cada grupo pensava ter razões próprias para achar que era superior ao outro grupo: o “verdadeiro” remanescente através do qual Deus manteria sua aliança.

Tudo indica que a vida em Yehud era difícil. Seus habitantes viviam diariamente o doloroso contraste entre as glórias do passado e as humilhações do presente. Muito pouco do que os anistiados experavam avidamente havia se concretizado.

A mensagem de Zacarias e Ageu está fortemente alicerçada na pregação do arrependimento. Na compreensão destes profetas, arrependimento era algo que não deve acontecer somente na mente do indivíduo, ou na “igreja-enquanto-corporação”. Na mensagem destes profetas, se o arrependimento precisa acontecer, deve acontecer em todas as esferas da vida, nas casas, nos mercados, nos tribunais, nas câmaras públicas. Arrepender-se significa, nestes contextos, reconhecer o SENHORIO de DEUS.

Centralidade da Mensagem

Neste contexto, arrependimento era tanto uma exigência quanto um dom. Tanto uma responsabilidade humana como um ato da soberania de Deus. Zacarias tinha a responsabilidade de pregar e os ouvintes de praticar.

O livro de Zacarias termina nos mostrando que há um tipo de arrependimento mais profundo e verdadeiro — o tipo que realmente o Senhor demanda no Reino. E este é, enfim um milagre que somente o próprio Deus pode operar.

Assim como Isaías, ele entendeu que o Reino de Deus viria, finalmente, somente através da morte expiatória do Messias (a expressão “simbolizam coisas que virão” no texto base é claramente messiânica). Somente desta forma o povo de Deus poderia ser purificado do seu pecado totalmente e definitivamente, e ser encontrados aptos para entrar na herança no dia final. (…) Somente após o sofrimento, morte e glorificação do Servo Sofredor o perdão é livremente oferecido para todos os que vierem a Deus para recebê-lo. (Isaías 53; Is 55). Tanto Isaías quanto Zacarias (14:16-21, especificamente 20-21) terminam com os povos de todas as nações, um novo Povo de Deus adorando a Deus como Rei na Nova Jerusalém.

1 Depois disso ele me mostrou o sumo sacerdote Josué diante do anjo do Senhor, e Satanás, à sua direita, para acusa-lo.

Há aqui pelo menos três personagens apresentados: (1) O Sumo-sacerdote Josué, (2) o anjo do Senhor, e (3) o acusador. Há, incidentalmente, um quarto personagem na profecia, representado pelos “companheiros de Josué” (v.8)

2 O anjo do Senhor disse a Satanás: “O Senhor o repreenda, Satanás! O Senhor que escolheu Jerusalém o repreenda! Este homem não parece um tição tirado do fogo?”

O anjo do Senhor repreende o acusador. Algumas pessoas acham que esta repreensão é o centro do versículo e tentam fazer desta frase um tipo de amuleto contra as ciladas do inimigo. Mas a repreensão do anjo apenas abre espaço no palco para a apresentação de Josué. Este é apresentado como um pedaço de lenha que havia sido tirado do fogo.

Um tição tirado no fogo é um naco de pau que já foi posto parar queimar numa fogueira e é retirado antes de queimar completamente. Podemos considerar pelo menos três coisas sobre este “tição tirado do fogo”:

a. Antes de ir para a fogueira: era madeira de pouco ou nenhum valor (lenha);

b. Depois de chamuscado: seu valor irrisório e sua utilidade duvidosa seriam reduzidos ainda mais.

c. Seu destino inevitável: virar cinzas.

O anjo apresenta um homem – Josué, que era ao mesmo tempo um “tição tirado do fogo”, isto é, alguém sem valor, cujo destino de virar cinzas já estava em curso (“tirado do fogo”). O anjo apresenta Josué desta maneira, porque era preciso mostrar Josué como ele era espiritualmente.

3 Ora, Josué, vestido de roupas impuras, estava em pé diante do anjo.

A reconstrução do templo foi designada pelo imperador persa Ciro II. No ano 539 a.C., Ciro apodera-se da Babilônia e ordena o repatriamento dos judeus mantidos em cativeiro e a reconstrução do seu templo, que, segundo o livro de Esdras (capítulo 1, versículos 1 a 4), terá tido lugar sob Zorobabel, sendo apoiada pelo funcionário Esdras e pelos profetas Zacarias e Ageu.

a. O Templo representava a presença/o relacionamento de Deus com Seu povo.

O primeiro templo foi destruído por Nabucodonosor em 586A.C. durante o reinado de Ezequias após anos de pregação profética e chamada ao arrependimento. Impureza, pecado não confessado, injustiça social, corrupção moral, prostituição com cultos abomináveis foram as grandes causas do juízo que culminou com o exílio e a destruição do primeiro templo.

b. Josué estava designado como o Sumo Sacerdote do novo templo que estava em construção.

Agora o templo estava sendo reconstruído. O relacionamento com Deus tinha uma nova oportunidade de ter uma representação. E mais: o povo que não foi levado cativo e os anistiados, haviam recebido a oportunidade de reconstruir sua nação e, consequentemente seu relacionamento com Deus.

c. (conflito) Será que os habitantes de Judá iriam repetir os mesmos erros que provocaram a queda do primeiro templo?

QUE ABACAXI!

Eis o abacaxi que os anistiados tinham que decidir: retomaremos a adoração no novo templo de qualquer maneira? Faremos vista grossa para os nossos pecados? Repetiremos os erros dos nossos antepassados?

4 O anjo disse aos que estavam diante dele: “Tirem as roupas impuras dele”. Depois disse a Josué: “Veja, eu tirei de você o seu pecado, e coloquei vestes nobres sobre você”.

Mas Deus sabe descascar abacaxis!

  • Tirem as roupas impuras dele
  • Eu tirei de você o seu pecado

Perceba a bondade que é manifesta durante toda a ação: Deus tira um naco de lenha já chamuscado pelo fogo e realiza neste ser sem valor uma limpeza cerimonial, tornando este ser sem valor apto para ser usado a Seu serviço.

DEUS E VALORIZA O QUE EU E VOCÊ PODERÍAMOS CONSIDERAR DESCARTÁVEIS.

A construção gramatical do versículo não deixa dúvida de que a referência às roupas impuras de Josué significavam seu próprio pecado. Também podemos afirmar pelo menos duas outras coisas sobre estas vestes:

a. Não foi Josué que tirou suas vestes impuras;

b. Foram suas roupas, definitivamente, que o colocaram no fogo anteriormente;

Portanto,

b1. São os meus pecados que nos separam de Deus

a1. É só Deus que pode remover de nós a mancha do pecado

“Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo” (Romanos 5:1)

“Respondi: Senhor, tu o sabes. E ele disse: “Estes são os que vieram da grande tribulação e lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro.” (Apocalipse 7:14)

  • coloquei vestes nobres sobre você

A obra de purificação de Josué aproxima-se da sua conclusão e o resultado final já pode ser visto: Deus havia transformado aquele “tição tirado do fogo” num “sacerdote” – uma obra de arte de onde só se esperava lixo.

“Ouçam, meus amados irmãos: Não escolheu Deus os que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam?” (Tiago 2:5)

Além de tirar nossos pecados, Deus nos reveste com vestimentas nobres. Isto significa que Deus nos atribui valor. A nossa salvação, bem mais do que um seguro contra o fogo eterno, é uma obra em que Deus toma um ser completamente sem valor e nos transforma numa obra de arte (um poema, como Paulo diz em Efésios 2:8-10).

5 Disse também: “Coloquem um turbante limpo em sua cabeça”. Colocaram o turbante nele e o vestiram, enquanto o anjo do Senhor observava.

“A cabeça” é vista na Bíblia como representação de autoridade. O Novo Testamento diz, por exemplo, que Jesus é o Cabeça da Igreja, indicando que Ele detém toda autoridade sobre a igreja. O turbante limpo na cabeça de Josué indicava que a partir daquele momento o próprio Deus passaria a reinar sobre os pensamentos de Josué.

Ao colocar o turbante na cabeça de Josué o Anjo, além de deixar claro que a purificação do seu pecado havia concluído, o investe de autoridade como sacerdote escolhido por Deus. Autoridade não tem nada a ver com poder sobre os outros, mas com submissão a Deus num relacionamento onde nossos pensamentos e atitudes são completamente dirigidos por Ele.

“Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. Antes vocês nem sequer eram povo, mas agora são povo de Deus; não haviam recebido misericórdia, mas agora a receberam.” (1 Pedro 2:9-10)

6 O anjo do Senhor exortou Josué, dizendo: 7 “Assim diz o Senhor dos Exércitos: ´Se você andar nos meus caminhos e obedecer aos meus preceitos, você governará a minha casa e também estará encarregado das minhas cortes, e eu lhe darei um lugar entre estes que estão aqui.

Quando o processo parece acabar, é só o começo:

  • Assim diz o Senhor dos Exércitos: “Se você

a. andar nos meus caminhos e andar nos caminhos é viver (diariamente) na JORNADA do relacionamento com Deus

b. obedecer aos meus preceitos obedecer é aprender a tomar decisões morais fundamentados nos preceitos da Palavra de Deus

  • você governará a minha casa”

Josué seria reconhecido entre o povo como alguém chamado por Deus e capacitado por Deus. Isto nos lembra do chamado de Moisés – assim como aquele homem gago e relutante precisou de uma capacitação sobrenatural, Josué recebe a promessa de que seu ministério seria autenticado pela sua obediência e pela sua conduta diária.

SUCESSO DO MINISTÉRIO NÃO DEPENDE DA CAPACIDADE HUMANA, MAS DA SUBMISSÃO A DEUS

8 ” ´Ouçam bem, sumo sacerdote Josué e seus companheiros sentados diante de você, homens que simbolizam coisas que virão: Trarei o meu servo, o Renovo.

A purificação pela qual Josué passou não deveria ficar restrita somente a Josué. Todos os demais sacerdotes sob a liderança de Josué deveriam ser purificados, pois eles (todos eles!) seriam símbolos de coisas que virão.

Como vimos anteriormente, na Nova Aliança todos os cristãos são sacerdotes e, portanto, esta advertência também se estende a nós, porque o Sacerdócio apontava para (ou simbolizava) o RENOVO – aquele que viria e que exerceria o sacerdócio de modo perfeito. Eles simbolizariam aquele que viria no futuro. Nós representamos Aquele que veio de uma vez por todas.

“Quando Cristo veio como sumo sacerdote dos benefícios agora presentes ele adentrou o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito pelo homem, isto é, não pertencente a esta criação. Não por meio de sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio sangue, ele entrou no Santo dos Santos, de uma vez por todas, e obteve eterna redenção.” (Hebreus 9:11-12)

9 Vejam a pedra que coloquei na frente de Josué! Ela tem sete pares de olhos e eu gravarei nela uma inscrição´, declara o Senhor dos Exércitos, ´e removerei o pecado desta terra num único dia. 10″ ´Naquele dia´, declara o Senhor dos Exércitos, ´cada um de vocês convidará seu próximo para assentar-se debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira´ “.

Tá aí um trecho difícil de interpretar! Mas podemos tentar.

  • Uma pedra significa um marco, um sinal externo de um acontecimento memorável. Era comum no oriente antigo erguer memoriais de pedras para lembrar acontecimentos marcantes.
  • também pode ser um indicador: Numa estrada, uma pedra obriga o viajante a mudar de direção; indicando a necessidade de endireitar o caminho;

  • Os olhos são a janela da alma, representam os cinco sentidos, através dos quais nós percebemos o mundo ao nosso redor.

  • O número sete indica completude, perfeição.

  • Sete pares de olhos nos transmite a seguinte mensagem: o SENHOR vê a totalidade dos nossos pecados, inclusive os que nós não conseguimos enxergar. (Conf. Provérbios 15:3 – “Os olhos do Senhor estão em toda parte, observando atentamente os maus e os bons.”)

  • Também podemos inferir que esta pedra estava num local visível a outras pessoas (público), portanto,

  • A inscrição entalhada na pedra poderia ser lida por qualquer pessoa e o seu conteúdo completa a visão dos sete olhos: o SENHOR vê a totalidade do nosso pecado e está disposto a removê-lo!

Esta pedra pode bem representar o Evangelho de Deus: A notícia que Deus nos vê por completo. Ele conhece o “tição tirado do fogo” que existe em mim. E mais: que Ele está disposto a mudar a sorte deste “tição tirado do fogo” transformando-o num sacerdote da Nova Aliança.

“Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.” (Mateus 5:14-16)

E o acusador?

Satanás permanece calado todo o tempo.

Ele veio para acusar, mas não precisou acusar – as vestes impuras de Josué já o denunciavam.

O acusador permanece ali para testemunhar a ação de Deus.

“Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.” (Romanos 8:33)

Pare e pense

Diante de:

  • Madeira sem valor
  • Rumo à destruição

Deus vem e:

  • Tira do fogo
  • Limpa a sujeira
  • Atribui valor
  • Separa para uso próprio
  • Escolhe para ser espelho do Seu próprio Filho

“como escaparemos, se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hebreus 2:3)