Não existe um sinal maior de que os evangélicos esqueceram suas raízes a muito tempo do que a ruína em que os sacramentos caíram em nossos dias. A propósito, devemos observar que o Segundo Grande Despertar começou como um retiro para ceia. Igrejas de todos os cantos se reuniram em Cane Ridge, Kentucky, em agosto de 1801 para se prepararem e depois participarem da ceia. Como escrevi em um artigo sobre esse avivamento:

As ceias (reuniões anuais de três a cinco dias culminaram com a Ceia do Senhor) juntavam dezenas de pessoas, talvez centenas. Nesta ceia em Cane Ridge, entretanto, às vezes, 20.000 pessoas se aglomeravam no chão – observando, orando, pregando, chorando, gemendo, caindo. Embora alguns tenham ficado nos cantos zombando, a maioria saiu maravilhada com a admirável mão de Deus.

A ceia em Cane Ridge rapidamente se tornou um dos eventos mais reportados na história americana e, segundo o historiador de Vanderbilt Paul Conkin, “indiscutivelmente… o ajuntamento religioso mais importante em toda história americana”. Ele causou a explosão da religião evangélica que logo chegou a quase todos os cantos da vida americana. Durante décadas a oração de reuniões de acampamento e reavivamentos em toda a terra era “Senhor, faça-a como Cane Ridge”.

Tal como as ceias, as pessoas se reuniam às sextas-feiras e passavam aquela noite e o sábado orando, lendo a Escritura e ouvindo sermões enquanto se preparavam para o culto e para a ceia no domingo. Em Cane Ridge, o sábado não foi tão tranquilo:

Os cultos sábado de manhã foram tranquilos – a calmaria proverbial antes de uma tempestade. Mas à tarde, a pregação foi contínua, tanto da capela quanto da tenda… A excitação aumentou e, em meio à fumaça e ao suor, o acampamento explodiu em ruído: choro e grito dos penitentes, choro dos bebês, grito das crianças e relinchar dos cavalos.

Então os tumultuosos “exercícios” corporais começaram. Junto com os gritos e choros, alguns começaram a cair. Alguns sentiram apenas os joelhos enfraquecidos ou tontura (incluindo o Governador James Garrard). Outros caíram, mas permaneceram conscientes ou falantes; alguns caíram em coma profundo, exibindo sintomas de uma crise epiléptica ou um tipo de histeria. Embora apenas uma minoria tenha caído, algumas partes do terreno estavam cobertas como um campo de batalha.

Alguns foram atendidos onde caíram; outros foram levados a um local apropriado, onde as pessoas se reuniam em volta delas para orar e para cantar hinos. “Se eles [os que caíram] falassem”, uma pessoa relatou, “o que eles dizem é atendido, sendo muito solene e comovente – muitos são tocados com tais exortações”.

Bem cedo no domingo de manhã, reinou uma relativa calma, embora alguns tivessem ficado acordados a maior parte da noite. O propósito central do ajuntamento – a ceia – aconteceu conforme programado na capela. O ministro de uma congregação próxima pregou o sermão tradicional do lado de fora, e aqueles com fichas da ceia entraram para o sacramento. As mesas, arrumadas no formato de uma cruz nos corredores, provavelmente poderiam acomodar 100 de cada vez. Nas horas que se seguiram, centenas foram servidos. Lyle escreveu que ele teve “visões mais claras das coisas divinas do que… antes” quando ele comeu, e ele se sentiu “excepcionalmente terno” enquanto falava.

O objetivo de repassar essa história não é sugerir que devemos tentar criar cultos com ceia emocionalmente extravagantes como este. Evidentemente, esse foi um momento único na história da igreja americana. O que me impressiona é a reverência e seriedade com as quais estes cristãos abordaram a ceia.

Tropeçando nos Sacramentos

Acredito que os sacramentos estejam em um estado profundamente baixo em muitas áreas na vida da igreja evangélica.

Deixe-me esclarecer o uso do termo sacramento. Algumas igrejas evangélicas chamam a Ceia do Senhor e o batismo de ordenanças, para lembrar que são ações que Jesus nos ordena a participar e que são sinais da nossa fé e obediência a Cristo. O termo sacramento inclui estas duas ideias e outra crucial: que são meios de graça. Por “meios de graça” não estou propondo qualquer teologia específica – seja trans- ou consubstanciação, seja presença real ou simbólica. Mas para todos os cristãos, a ceia e o batismo são práticas nas quais a fé da pessoa é aprofundada e fortalecida e que esse tipo de coisa só acontece pela graça de Deus. É isso que eu quero dizer por “meios de graça” neste artigo e por que usarei a palavra sacramento para falar sobre eles.

Como eu disse, acredito que estes sacramentos estejam em um estado profundamente baixo em muitas áreas na vida da igreja evangélica.

Considere o batismo. Mesmo entre igrejas que acreditam que Mateus 28:19 seja o grito de guerra da igreja – “vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os…” – o sacramento não é mais central para sua missão. Seria difícil encontrar estatísticas que sugiram o problema, mas uma anedota sugere que seja sério. Pertenço a uma igreja Anglicana em Wheaton, Illinois, a qual não se encontra longe da Faculdade Wheaton. O canto carismático e a pregação centrada na Bíblia atraem muitos estudantes da Faculdade Wheaton para participarem do culto e tornarem-se membros. Entretanto, para participar da ceia, bem como para se tornar membro, a pessoa precisa ter sido batizada. Os pastores estão constantemente surpresos com a quantidade de estudantes da Faculdade Wheaton – sem dúvida alguns dos jovens cristãos mais fervorosos, devotos e inteligentes no mundo evangélico – que ainda não foram batizados. Alguém poderia pensar que suas igrejas teriam resolvido este assunto muito antes de saírem de casa para a faculdade.

Outro sinal do problema é o profundo medo que alguns evangélicos têm do batismo. Frequentei uma igreja independente em Dallas, Texas, em um domingo no qual eles tiveram um batismo em massa de 400 pessoas. Isso fala bem da eficácia de sua divulgação e do seu desejo de obedecer aos mandamentos do seu Senhor. Como parte do culto, quatro ou cinco pessoas foram até um palco e foram entrevistadas pelo pastor para que os ajudasse a dar seus testemunhos. Ao final de cada testemunho, a última pergunta que o pastor fazia era esta: “Mas você não acredita que este batismo o salva, certo?” Não foi apenas a pergunta, mas a maneira como era feita repetidamente que me sugeriu que o pastor estava com muito medo do poder do sacramento. E o fato de que ele também fazia esta pergunta logo antes de cada pessoa ser batizada percorreu um longo caminho para assegurar que o sacramento não se tornasse um meio pelo qual Deus domasse e abençoasse o destinatário, mas tornasse tudo sobre a horizontal: um ato de fé da pessoa.

A situação da Ceia do Senhor está em pior estado. Perdi a conta da quantidade de igrejas evangélicas iniciantes – de novo, que estão sinceramente buscando alcançar o mundo para Cristo – que praticam a ceia é francamente um sacrilégio. É preciso dar-lhes crédito por, sim, buscar os perdidos e derrubar barreiras culturais / religiosas desnecessárias. E é preciso também elogiá-las por pelo menos oferecer a ceia. Mas em muitas igrejas, isso é uma coisa apresentada durante as ofertas, em uma mesa pequena com biscoitos e suco nos corredores laterais para aqueles que se sentem levados a participar. Às vezes é acompanhada pelas palavras da instituição, mas às vezes não.

A ideia da ceia – do corpo de Cristo participando uns com os outros em uma ordenança do seu Senhor – está completamente perdida. Sem falar da perda de qualquer esforço conjunto de líderes do culto para destacar por que o sacramento é uma característica central da vida cristã.

Em contraste com as igrejas evangélicas do final dos anos 1700 / início dos anos de 1800, quase não é preciso dizer que poucas congregações evangélicas hoje em dia dedicariam um fim de semana inteiro à preparação e participação na ceia. Não seria percebido apenas como um desvio para os incrédulos, mas uma cerimônia sem sentido para os membros. E ainda assim foi nas ceias que milhares e milhares de pessoas conheceram a Cristo intimamente pela primeira vez

Fazemos bem em lembrar a ênfase que nossos irmãos e irmãs batistas insistem: que essas são práticas ordenadas pelo nosso Senhor.

Certamente, hoje podemos encontrar igrejas evangélicas, anglicanas e batistas, que tomam a Ceia do Senhor com a maior seriedade. Elas – sem importar sua teologia sobre o sacramento – dirão que ela permanece um meio pelo qual são atraídas para fora de si para lembrar-se Daquele fora delas, que não veio apenas para lhes dar afirmações espirituais, mas para morrer em uma cruz pelos seus pecados e para ressuscitar dos mortos para sua salvação.

Fazemos bem em lembrar a ênfase que nossos irmãos e irmãs batistas insistem: que essas são práticas ordenadas pelo nosso Senhor: “vão… batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” e “façam isto em memória de mim”. Não acredito que o evangelicalismo se recupere de seu estupor espiritual, de seu fascínio pela horizontalidade, até que novamente pratique regular e respeitosamente, com seriedade e devoção, os sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor. Até que, isto é, obedeça ao claro mandamento do seu Senhor.

Quanto ao caminho a seguir – bem, muito depende da teologia de uma igreja em particular sobre batismo e Ceia do Senhor. Mas, deixe-me arriscar algumas sugestões.

Primeiro, não acho que qualquer teologia sofisticada de ceia a tornaria um ato individualista como tem se tornado em algumas igrejas. Simplesmente recusando-se a oferecer a ceia a menos que seja parte do culto no qual cada membro ou cristão seja convidado – é um começo.

Contra todas as probabilidades, uma igreja poderia muito bem oferecer um retiro de fim se semana no qual o foco seja a ceia – com ensinamentos e tempos para oração para a pessoa se preparar – e o clímax ser o recebimento do pão e do cálice.

Quanto ao batismo: Vamos insistir que o mais rápido possível, como bebês ou após a conversão (qualquer que seja sua teologia), obedeçamos à ordem clara de nosso Senhor de batizar. E então quando batizarmos, não vamos atrapalhar o ato explicando o que ele não é. Podemos apenas dizer o que acreditamos que ele seja, e fazer isso de maneira simples. Há tempo e lugar para ensinar a teologia de uma igreja sobre batismo, mas durante o batismo, devemos deixar o poder visual do sacramento, e poucas palavras bem escolhidas, fazerem o trabalho. Você pode acreditar que o batismo propriamente dito não tem eficácia definitiva e ainda reconhecer que ele é um símbolo poderoso, e como um símbolo poderoso, é muito significativo.

No contexto desta linha, uma razão pela qual defendo a participação regular e reverente nos sacramentos é porque, como observado acima, eles exigem que olhemos para o que está acontecendo no altar / na mesa da ceia ou nas águas do batismo. Somos obrigados a olhar para fora de nós mesmos, para os meios físicos pelos quais Cristo abençoa seu povo. Ao invés de nos encorajar a refletir sobre os sentimentos que estão acontecendo dentro de nós, os sacramentos nos obrigam, por mais que brevemente, a nos concentrarmos em Deus e no que ele fez por nós em Jesus Cristo.

MARK GALLI
Editor-chefe da Christianity Today

Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques.
Usado com permissão.