Podemos ser brutalmente honestos um com o outro por um momento? Posso lhe fazer, de pastor para pastor, a pergunta que ninguém ousa fazer?

Com que frequência você quer desistir?

Com que frequência você fantasia fazer outra coisa, alguma coisa que se recusa a pesar tanto em sua alma, alguma coisa que ofereça mais dinheiro? Ou menos? Alguma coisa que não custe à sua família tanto do tempo, da energia e da privacidade dela? Alguma coisa que o ajude a se sentir “normal” quando você conversa com outros pais na escola dos seus filhos ou na atividade esportiva semanal deles? Você já se perguntou se existe outro jeito de ganhar a vida que não custe tanto?

Eu já.

Eu me pergunto sobre isso naquelas segundas-feiras de manhã quando a melancolia pós-sermão me atinge com tanta força que eu poderia ficar dias na cama. Quando as pessoas julgam meus filhos, questionam meus motivos e criticam meu ensino. Quando passo outra noite sem dormir no sofá, no silêncio e quietude da minha casa, imaginando se poderia haver algo mais no mundo que alguém como eu poderia fazer, mas quando a coisa que sei fazer melhor é pastorear as almas de homens e mulheres quebrados.

Essas questões assombrosas são o ponto fraco não dito da vocação pastoral. Elas são feitas por aqueles divididos em dois pela carga de seu chamado e pelo desejo de fugir, por aqueles que investiram tempo e dinheiro demais construindo uma plataforma que eles não podem perder, e por aqueles que acordam alguma manhã para descobrir que todos os anos de pregação das verdades que eles nunca experimentaram cavaram um profundo cinismo em suas almas.

Este tipo de pressão empurra alguns pastores em direção à luz, leva-os para mais perto de Cristo e faz com que cresçam em maior maturidade espiritual. No entanto, lança outros no mais escuro dos cantos, faz com que fujam de Jesus e tenta-os a ceder às tentações que os assombram há anos. Enquanto muitos pastores lidam com a carga do ministério com graça por décadas, por que alguns quebram e se aborrecem em apenas poucos anos?

Muitas pessoas acreditam que o motivo é bem simples: o coração humano pecador. Isso é verdade, claro, mas também é vago o suficiente para ser de pouco valor para aqueles que procuram uma prescrição específica. Outras sugerem orgulho ou uma cultura de celebridade que eleva pastores acima da lei. Outras ainda falam sobre o isolamento dos pastores, a falta de confissão deles, a diminuição de sua vontade de se envolver em autorreflexão. Ou, como minha esposa sugeriu, alguns pastores se acostumaram tanto a fingir que isso se torna padrão em todas as esferas da vida. Sem dúvida, todos estes desempenham um papel no fracasso pastoral.

Mas quero sugerir outra opção: alguns pastores sabotam seus ministérios de propósito.

Apertando o botão de autodestruição

Eu sempre leio que os pastores nunca decidem em uma manhã ficarem viciados em remédios, ir para cama com alguém que não seja seu cônjuge, clicar infinitamente em sites pornográficos ou beber até a vida se tornar um borrão monótono. E embora seja verdade que provavelmente essas decisões não sejam tomadas no calor do momento, nós nos enganamos quando fingimos que pastores nunca decidem falhar intencional e voluntariamente. Alguns o fazem.

Como Carey Nieuwhof reflete, algumas vezes falhar é o escape mais rápido.

Quando comecei no ministério, eu me encontrei com um pastor que tinha acabado de ter que renunciar por causa de um caso extraconjugal. Ele era 20 anos mais velho e nos encontramos para almoçar.

Perguntei para ele por que teve um caso e ele me contou que em parte foi porque não conseguia mais lidar com a pressão do ministério, mas não conseguiu encontrar um jeito fácil de sair. O caso o forçou a sair.

Anos mais tarde eu descobriria a dor do esgotamento pessoalmente. Eu estava tão esgotado que uma fuga da minha vida parecia atraente. Pela graça de Deus, eu sabia o suficiente para manter a cabeça no lugar, embora meu coração tivesse parado de funcionar. Como resultado, durante meus meses mais sombrios, continuei dizendo para mim mesmo “o que quer que você faça, não faça nada imprudente – não traia sua esposa, não largue seu emprego e não compre um carro esportivo”.

Em seus termos mais simples, autossabotagem ou comportamento autodestrutivo, inclui qualquer comportamento que prejudique os próprios objetivos da pessoa. A psicóloga Ellen Hendrickson sugere que, entre outros motivos, muitas pessoas se autossabotam porque isso lhes dá um sentimento de controle de sua situação. Ela aponta, “Sente-se melhor em controlar seu próprio fracasso. Pelo menos quando você está conduzindo o navio, afundar em chamas parece mais uma queimadura bem controlada”.

Outros podem se autossabotar devido à insegurança. Muitos pastores se sentem impostores e pode parecer mais fácil falhar moralmente do que enfrentar o potencial de ser demitido por inadequação. “Como isso se manifesta?” pergunta Hendrickson. “Sentir-se uma fraude facilmente o leva à procrastinação e à distração. Se você se depara com uma tarefa que faz com que você se sinta falso, é muito mais tentador perceber que não há tempo como o presente para iniciar imediatamente um projeto de uma prateleira para temperos do tipo faça você mesmo”.

E então existem aqueles que buscam a autossabotagem como um jeito de retornar a um senso de equilíbrio. De uma forma ou de outra, todo pastor sente o sentimento atormentador de sua própria hipocrisia. Somos chamados para pregar, semana após semana, sobre uma visão do cristianismo que podemos não experimentar completamente, um amor de Deus que às vezes não sentimos, uma oração que não praticamos, um conselho de pais e de casamento que nos esquecemos de empregar em nossas próprias casas, um perdão que lutamos para dar, uma identidade em Cristo na qual lutamos para ficar enraizados. Em meio a essa tensão, pastores podem procurar uma maneira de equilibrar as expectativas externas dos outros com sua realidade interna. Quanto mais alto o pedestal, mais forte é o puxão para baixo.

Por esta razão, não me surpreende mais ver aqueles em alguns dos maiores e mais influentes ministérios da América se jogando no chão. O pecado é o padrão e a santidade, nosso objetivo ilusório, de modo que pode ser um ato estranhamente purificante para alguns cederem as suas tentações a fim de se sentirem “normais” mais uma vez. Eu observei esse princípio se manifestar entre colegas que confessaram ter se retirado para seu escritório imediatamente após o sermão para ver pornografia, engolir uma pílula ou drenar uma garrafa de bebida alcoólica.

Eu não acredito que pastores entendem mal as ramificações desse tipo de ações. Certamente, muitos têm escondido seus pecados com sucesso por anos, mas a verdade geralmente vem à tona. E quando chega a luz do dia, pastores não podem falar sobre ignorância bíblica ou ambiguidade moral. De fato, talvez a maior ironia do fracasso pastoral seja a quantidade de ensino, pregação e escrita que os pastores muitas vezes dedicam a condenar os próprios pecados que levam a sua queda. Pastores são posicionados exclusivamente para entender a gravidade de sua decisão imoral. É precisamente por isso que suas falhas morais são mais chocantes e seja difícil negar que, pelo menos em alguns casos, a falha pastoral é um aperto intencional no botão de ejeção.

Mesmo enquanto uso a palavra intencional, é importante lembrar que os motivos para nosso comportamento autodestrutivo pode estar escondido de nós no momento. Assim como muitas más decisões que tomamos, nossos motivos podem estar limitados à retrospectiva. Tal é o caso para Darrin Patrick, que passou por três anos de restauração desde sua demissão da igreja A Jornada em 2016. Depois de anos de aconselhamento, reflexão, oração e arrependimento, Patrick veio a entender que seu próprio ato de autossabotagem ministerial foi impulsionado por uma profunda necessidade de ser resgatado e repreendido:

Em minha própria história, esta autossabotagem foi um grito por socorro. Era eu jogando a bandeira branca para cima e dizendo, “Preciso de ajuda”. Eu estava dizendo, “Quero ser conhecido, quero ser aceito apesar das minhas falhas, quero que as pessoas saibam que tenho lutas, quero que as pessoas saibam o quanto é difícil e o quanto eu tenho sacrificado”.

Talvez o mais importante para Patrick durante sua temporada de restauração tenha sido o conselho que recebeu de Richard Plass, o fundador do Ministério Ponto de Cruzamento, que compartilhou com Patrick, “Você tem gritado por socorro desde que era criança; você tem desejado que alguém venha e seja seu pai, seja seu irmão mais velho. Você está agindo a fim de ser repreendido”.

Afastando-se da Beirada

Compartilhei estas reflexões recentemente com alguns colegas pastores que se identificaram com muitos aspectos da tentação da autossabotagem. Quando perguntei a eles como conseguiram evitar esse destino, alguns temas vieram à tona repetidamente nessas conversas.

  1. Evite Isolamento

Muitos pastores mencionaram que seu principal fator de frustração, desilusão e, às vezes, desespero é a natureza desumanizante inerente ao ministério. Em muitas igrejas, o pastor é um papel, não uma pessoa. Pastores cumprem certos deveres – eles oram, pregam, visitam, aconselham – mas muitos não se sentem vistos como indivíduos. Quando alguém ou alguma coisa faz com que um pastor solitário se sinta “humano” de novo, esse pastor pode lutar para não correr para seus braços. E a tentação fica ainda mais forte quando ceder a ela pode fornecer uma saída fácil de um ministério que, de outra forma, parece indisponível. É desta tentação que Henri Nouwen estava se protegendo quando escreveu sobre a necessidade de uma comunidade constante na vida de um pastor.

Quando espiritualidade se torna espiritualização, a vida no corpo se torna carnalidade. Quando ministros e sacerdotes vivem seus ministérios principalmente em suas cabeças e consideram o Evangelho como um conjunto de ideias valiosas a ser anunciado, o corpo rapidamente se vinga gritando em alta voz por afeição e intimidade. Líderes cristãos são chamados a viver a Encarnação, ou seja, viver no corpo, não só em seus próprios corpos, mas também no corpo corporativo da comunidade e descobrir ali a presença do Espírito Santo.

  1. Preste Atenção em Padrões

Segundo, meus colegas sugeriram que pastores à beira da autossabotagem começassem a perceber momentos nos quais as tentações golpeiam mais duramente e mantivessem o controle quando sua luta particular levantar sua cabeça feia. Será que todo sucesso espiritual, toda ocasião de grande louvor, encontra um mergulho nas profundezas da escuridão? Pastores à beira do colapso devem perguntar para aqueles que amam e que o conhecem melhor se eles percebem um padrão em suas crises de depressão, raiva, desespero ou derrotas com tentação. Se estes pastores estiverem buscando uma sensação de estabilidade para ajudar a equilibrar sua personalidade externa com sua realidade interna, eles devem conversar com pastores mais velhos sobre seus sentimentos de inadequação, sua culpa de hipocrisia e seu desejo de pular fora do pedestal. Mais “sucesso” ministerial apenas agravará o problema.

  1. Lamente suas Perdas

Por último, e talvez mais importante, meus colegas recomendaram que os pastores aprendam a se lamentar. Pastores em todos os lugares, independentemente do contexto, do tamanho ou da denominação do mistério, algumas vezes experimentarão um sentimento de perda pessoal, traição e raiva dos congregantes – pessoas que criticaram seu ministério, tentaram que fossem demitidos ou consumiram seu tempo com queixas mesquinhas em relação a musica, tópicos do sermão ou ministério dos jovens. Pessoas as quais eles se dedicaram, mas ainda deixaram a igreja para outra descendo a rua com um café melhor no saguão. Pessoas que tentaram dividir a congregação por questões pessoais ou atacaram pessoalmente seu cônjuge ou filhos. Pessoas que os magoaram. 

Pastores precisam de uma maneira de levar essas feridas a sério e abordá-las de maneiras saudáveis que não incluam ataques passivos do púlpito. Eles devem reservar um tempo para um descanso regular e prolongado e para compromissos trimestrais com um conselheiro de confiança que possa ajudá-los a processar sua dor.

Finalmente, deixe-me dizer isso: tudo bem desistir. Você não é sua igreja. Você não é seu ministério. Você não é o único portador do reino no seu canto do mundo. E afastar-se de um papel no ministério de tempo integral não é equivalente de forma alguma a afastar-se de Deus. De fato, para alguns de vocês, afastar-se de um ministério de tempo integral pode ser um passo em direção a Deus. Toda vez que um pastor foge do ministério através da autossabotagem, uma comunidade inteira é devastada e a reputação global da igreja é prejudicada. Alguns pastores precisam renunciar ao invés de fugir. Sim, a igreja precisa de pastores, mas ela também precisa parar de ser atingida por estilhaços quando eles quebram.

STEPHEN L. WOODWORTH

Stephen L. Woodworth é pastor ordenado e vice-presidente da Rede Internacional de Educação Teológica, um braço ministerial da Igreja Presbiteriana Evangélica Alcance Mundial morando na Geórgia.

Traduzido por Cynthia Rosa de Andrade Marques.
Usado com permissão.